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Sinopse por: Graça Gonçalves Um excerto do texto: "Quando perguntaram a Marcel Proust por que razão se recusava a tocar nessa máquina maravilhosa recentemente descoberta, que veio praticamente abolir as distências, aproximar os homens pela comunicação e, portanto, sem dúvida, contribuir para aumentar a sua felicidade, o escritor ficou surpreendido com a pergunta. Isto porque a razão da recusa de tocar no telefone era, para ele, absolutamente transparente: On vous sonne, et vous y allez! Por outras palavras: Essa máquina faz de si um criado; eu recuso-me a ser um criado. Para além da admirável atitude do grand seigneur que se recusa a ceder ao espanto religioso do milagre, por ser portador de valores que estão muito acima da puerilidade da fascinação perante o novo, a anedota mostra a grande lucidez de Proust ao compreender imediatamente que uma nova técnica nunca se limita a ser simplesmente útil, a dar novas possibilidades ao homem, mas exige sempre contrapartidas ao nível da sua maneira de viver, de dar forma à sua vida, do relacionamento com os outros. Um aparelho que faz de mim um escravo: com esta hipérbole o autor da Recherche assinala uma inquietude que nada tem a ver com a violência destruidora ou o carácter pretensamente diabólico da técnica moderna, mas com uma violência mais subtil, de carácter político, ético e estético, quase invisível, quotidiana, que se disfarça sob o engodo da utilidade. Desde Mary Shelley que a ligação da técnica ao diabólico ou ao apocalíptico é expressão de um romantismo que, esteticamente, metafisicamente, teologicamente, só contribui para mitificar e glorificar a técnica, para tentar colocar a técnica moderna no lugar de Tuché, a deusa do destino dos homens. A recusa de Proust nada deve a essa inquietação proveniente da diabolização romântica da técnica".
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