|
Sinopse por: Andreia Fernandes Silva No livro “Sobre a Televisão”, Pierre Bourdieu faz uma análise do campo jornalístico, em especial das influências económicas e das censuras invisíveis que ditam as regras do jogo.
O sociólogo desenvolveu ao longo das 115 páginas uma exposição analítica do modo como se produzem as notícias, em especial a sua selecção e o modo como surgem ao telespectador. A intenção foi desmontar os mecanismos da fabricação da informação e da escolha das imagens e dos discursos televisivos.
A obra revela divide-se em duas lições que o sociólogo deu no Collège de France. Logo no prólogo o autor avisa que a televisão coloca em perigo as esferas da produção cultural como a arte, a literatura, a ciência, a filosofia ou o direito. Depois, segue-se uma reflexão sobre os bastidores e as coacções que se vivem num estúdio. Bourdieu lembra que não se pode dizer muito na televisão e que os constrangimentos e pressões sobre o que falar, durante quanto tempo e de que modo castram qualquer possibilidade de desenvolvimento de ideias e argumentos.
A crítica mordaz do sociólogo começa por apanhar os opinion makers, individualidades que, ou se destacaram na sua área, ou se colocaram a jeito para com frequência serem chamados a comentar num programa de televisão. Neste sentido o autor conclui que: “o ecrã de televisão se transformou hoje numa espécie de espelho de Narciso, num lugar de exibição narcísica” e nesta sentido apela a uma profunda reflexão sobre o estado a que o campo mediático chegou.
Bourdieu recorda ainda a censura que existe no acesso à televisão bem como à perda de autonomia que os pensadores, jornalistas e demais participantes neste campo sentem. O campo jornalístico está minado pelas exigências de um mercado cada vez mais agressivo, em que a procura do “share” e as pressões publicitárias e de marketing ditam modos de funcionamento que não se coadunam com a verdade dos factores e a realidade em si mesma. Em paralelo, o sociólogo aborda a questão da precariedade no emprego do sector e a tendência para o conformismo político. A este propósito Bourdieu acrescenta: “As pessoas conformam-se através de uma forma consciente ou inconsciente de auto-censura, sem que sejam necessárias chamadas explícitas à ordem”.
Para este pensador a economização da televisão produz inevitavelmente uma homogeneização, indo ao ponto de falar na existência de uma “coacção económica” a pairar sobre a televisão.
Na realidade, poder-se-á acrescentar o mimetismo e o seguidismo que actualmente caracteriza todos os Meios de Comunicação Social. As mesmas notícias, muitas vezes sob os mesmos ângulos, são abordadas em diferentes órgãos de comunicação numa espécie de contaminação de agendas e de ideias.
Pierre Bourdieu lembra ainda que como a televisão é o meio que mais pessoas atinge e com grande influência na capacidade para influenciar outros campos. Neste sentido, lança o alerta para a necessidade de se desmontarem os mecanismos que fazem com que a televisão exerça a violência simbólica sobre todos os agentes, considerando que pouco se pode dizer ou acrescentar de útil num meio onde o assunto é imposto, com regras claramente definidas e orientadas para o lucro imediato.
Apesar do que possa parecer num primeiro momento, para Bourdieu não é o jornalista o culpado de todo este processo. No seu entender, urge descortinar “os mecanismos anónimos, invisíveis, por meio dos quais se exercem as censuras de todas as ordens que fazem da televisão um formidável instrumento de conservação da ordem simbólica”.
Ao longo desta obra Bourdieu procurou revelar os mecanismos de violência simbólica que envolvem à procura das audiências. Mais do que uma vez o sociólogo refere-se aos mecanismos invisíveis através dos quais é efectuada a censura e que possibilitam ao médium ser um instrumento ao serviço das vontades dos poderosos. Bourdieu vai mais longe ao frisar os “cozinhados” que se preparam na produção (fabrico) das emissões e na passagem de determinadas mensagens.
O autor critica ainda a postura dos jornalistas em recear a investigação científica que se tenta fazer no seio das redacções pois uma melhor compreensão do meio possibilita pelo menos que “quanto melhor compreendermos como ele funciona melhor compreendemos também que as pessoas que nele participam são tão manipuladas como manipuladoras”, numa perspectiva de uma maior esclarecimento de todas as partes.
O sociólogo frisa também que o prato preferido dos meios de comunicação é a parte sensacionalista onde predominam as histórias com sangue, sexo, drama e crime, uma vez que estes constituem os melhores ingredientes para vender um produto. Bourdieu usa o conceito de factos omnibus, factos que são entendíveis por todos, que não dividem opiniões e são o mais consensuais possíveis, acrescentando que o facto de a televisão possuir o monopólio na formação de cérebros é um perigo.
Nesta tentativa de reflexão sobre o campo jornalístico, Bourdieu aponta a existência de verdades insofismáveis, tais como:
- “Ninguém lê tanto os jornais como os jornalistas, que, por outro lado têm tendência a pensar que toda a gente lê todos os jornais”.
- na redacção passa-se uma parte considerável do tempo a falar de outros jornais, situações que Bourdieu considera serem propiciadoras “de encerramento, de enclausuramento mental”.
O autor refere-se à existência da “arraia-miúda”, jovens, subversivos, gente que parte a louça, lutando desesperadamente por introduzir pequenas diferenças na imensa sopa homogénea imposta pelo círculo (vicioso) da informação que circula de maneira circular.
Outro termo em destaque pelo também professor é a existência do hábito do fast thinking, um pensar rápido equiparado ao “fast food”, onde os produtos comunicativos e informativos são superficiais.
Na parte final do livro há ainda lugar para pequenos textos em anexo. O primeiro versa “A Influência do Jornalismo”, de novo reiterando os mecanismos economicistas por detrás do campo, efectua uma análise aos Jogos Olímpicos enquanto espectáculo televisivo dominado pelo Marketing. A encerrar está um Posfácio sobre “O jornalismo e a Política” onde Bourdieu alerta para “a amnésia estrutural favorecida pela lógica do pensamento improvisado dia após dia” e também “pela concorrência que impõe” para “condenar os jornalistas, esses jornaleiros do quotidiano, a produzirem uma representação instantaneística e descontinuística do mundo”. O sociólogo lembra ainda que “esta visão des-historizada e des-historizante, atomizada e atomizante, encontra a sua realização paradigmática na imagem que do mundo dão as actualidades televisivas, sucessão de histórias na aparência absurdas que acabam por se assemelhar todas umas às outras”.
O livro tem o mérito de passados estes anos ainda se encontrar actual. Pelo poder e hegemonia que tem, em especial junto das pessoas de menores recursos educacionais, sendo mesmo o veículo preferido da maioria dos indivíduos quer no âmbito das práticas culturais e de lazer, quer na procura da informação.
|
|