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Recensão por: André Barata
Falta título
O Lugar da Política
Por André Barata
Diogo Pires Aurélio propõe-se com este livro supreender com precocidade a génese da ideia culminante do que é habitual designar por modernidade: a ideia de sistema. De certo modo, a tese central aqui exposta consiste em fazer recuar o início da história da ideia de sistema até ao início da história da própria modernidade. O sistema, confirma o autor, revela-se como a "questão intrínseca à própria modernidade, logo no seu enunciado inaugural e cartesiano", portanto muito anterior às célebres consumações kantiana e hegeliana do sistema. Em rigor, e desde O Discurso do Método, o sistema diz respeito a uma "articulação dos saberes numa ciência da totalidade, e desta, por sua vez, numa ideia a partir da qual se pudessem deduzir em cadeia contínua as razões do que existe e do que acontece". Nestes termos, constituiria também um equívoco permutar a ideia, ou o ideal, de sistema com a mera exigência de sistematicidade. No limite, a rejeição desta exigência traduziria a rejeição da própria possibilidade de racionalidade.
Mas é em prol da racionalidade, nomeadamente na acção humana, e como alternativa à fundamentação teológica e à "utopia renascentista", que a vontade de sistema vem configurar o território do pensamento político de Descartes, Hobbes e Espinosa.
Segundo Pires Aurélio, o estudo cartesiano sobre as paixões da alma mostra a relevância destas para uma compreensão do fenómeno político ou, com maior acuidade, como a necessidade da actividade política reside justamente na incapacidade, por parte da razão, de as regrar. Com efeito, afirma o autor, "as paixões constituem o problema da política". E acrescenta: "Se a razão alguma vez as regrasse por inteiro, a política deixaria de fazer sentido". Não é então no esforço tirânico de regramento das paixões que a política opera, mas no campo aberto pelo reconhecimento do insucesso desse esforço. Aí, onde as paixões não podem deixar de estar sujeitas aos limites da convivência e da tolerância, aí onde as leis da razão são ineficazes, emerge, como possibilidade, o fenómeno do político, vocacionado "para um equilíbrio entre razão e paixões".
Thomas Hobbes e Baruch Espinosa, os outros dois filósofos tidos em consideração, também exprimem, segundo o autor, esta face passional da política. De facto, todo o edifício político de Leviathan assenta numa paixão, no medo da morte, face à qual o cálculo racional dos riscos e das vantagens determina a necessidade do contrato social e da passagem do estado de natureza ao estado civil. E quanto a Espinosa, a sua crítica à irreversibilidade hobbesiana do contrato mais não pretende afirmar que a humanidade, mesmo em pleno estado civil, nunca poderá sair do estado de natureza e ultrapassar a contingência e a precaridade passional. Daí a impossibilidade de converter a política numa legalidade e o perigo de tentar semelhante conversão. Não há lugar a justificações transcendentes, sejam teológicas ou jurídicas, para o exercício do poder; pelo contrário, à política só pode corresponder um desenvolvimento imanente pautado pela construção política, mas igualmente pela sua reversibilidade e reconstrução. Numa palavra, o registo da política é a imanência.
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