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Recensão por: Manuel Lopes da Silva
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O autor desta obra é um dos investigadores europeus que mais se tem distinguido no estudo das sociedades contemporâneas cada vez mais dependentes, em aspectos fundamentais, dos seus sistemas de comunicação.
Este livro surge como fecho e coroamento duma trilogia iniciada com o " Elogio do grande público" e continuada com "Pensar a comunicação", com o que o autor procura constituir uma teoria Geral da Comunicação e dos Media, que será também necessariamente uma teoria da Sociedade no contexto actual.
Para entender as posições que Wolton defende ao longo destas obras, há que recordar a sua aposta filosófica fundamental e por ele frequentemente reclamada: a recuperação do ideal ilustrado que, como sabemos, outros pensadores consideram esgotado. E no entanto sem dúvida que este ideal é defendido com uma frescura e uma inteligência raramente presentes em obras desta natureza de tal maneira que outros pensadores de matrizes intelectuais diferentes podem aceitar integralmente as suas posições.
O trabalho que comentamos sistematiza o pensamento anterior e completa-o com uma reflexão sobre a Internet.
Este sistema surge em paralelo com a mundialização da comunicação, cujas motivações não sabemos à partida se seguem a lógica dos valores ou dos interesses, dos ideais ou do comércio puro.
Daqui a grande proposta de Wolton da consideração da dualidade fundamental da comunicação, que oscila sempre entre um sentido normativo ( da ordem do ideal) e um sentido funcional ( da ordem da necessidade).
A comunicação está no coração da modernidade, é inseparável do lento movimento de emancipação do indivíduo e do nascimento da democracia.
Hoje em dia a comunicação é importante por três razões : por supor seres inteligentes e livres para os quais ela fundamenta todas as relações sociais e políticas; por ter de gerir os dois sentidos contraditórios resultantes das duas heranças políticas dos séculos XVIII e XIX, ou seja, a liberdade individual e a igualdade de todos ; e por ser a condição da democracia de massa.
A comunicação está no centro da história económica, social e cultural, que dá sentido à história técnica e não o inverso, e sempre segundo diacronias diferentes.
Esta redução da técnica às suas exactas proporções é repetidamente proposta ao longo do livro, contrariando como sabemos, um certo paradigma muito generalizado.
O autor propõe-se aplicar esta teoria aos novos desenvolvimentos da comunicação: o futuro da Internet e a guerra dos Media.
Em torno da comunicação surgem três espécies de discursos sendo um o dos industriais, outro o dos jornalistas e o terceiro o dos políticos.
Ao investigador compete desenvolver um pensamento crítico, equidistante dos interesses anteriores.
Há que explicar que o essencial num sistema de comunicação não é a técnica, mas sim as características culturais e sociais dos conteúdos, o que é frequentemente esquecido.
De facto do século XIX ao Século XX, através do telefone, da rádio e da TV, o que sobressai é, segundo Wolton, o triunfo do individualismo e da democracia de massa.
Para ele a comunicação é um conceito do mesmo nível e da mesma importância que os do nosso sistema de valores ocidental como a liberdade e a igualdade.
Do ponto de vista duma teoria da comunicação, isto é, do laço entre técnica, modelo cultural e projecto social, a questão que se põe é a de saber se há uma diferença real entre Media de massa e Internet.
E essa diferença efectivamente existe, havendo uma complementaridade de vocações. De facto a Internet sendo um simples sistema de transmissão da Informação, é extraordinariamente diversificada, desde a informação de "serviços" á "informação- conhecimento", passando pelas aplicações tipo " diversão" e "informação - acontecimento".
No entanto a utilização de toda esta informação está longe de alcançar a sua plenitude. De facto a sociedade levará ainda algum tempo a adaptar-se ao uso de todas as possibilidades oferecidas na Web, aliás segundo uma lógica económica e de interesses bastante diferente da lógica dos media, que radica na política e nos valores.
A Internet lida com assinantes, consumidores, diferenciados hierarquicamente pelas suas capacidades operacionais, mas na verdade eles são principalmente pessoas que demonstram necessidades sociais e culturais que um tal sistema não satisfaz.
A democracia exige hoje, concretamente, intermediários de qualidade na comunicação. Se se quer salvar a liberdade de informação é necessário, rapidamente, admitir que esta deva ser filtrada, protegida, por intermediários que garantam este ideal no universo saturado da informação, uma ideia que já aparece em livro anterior.
De facto, os novos sistemas correm o risco de acentuar a solidão dos utentes e de reforçar a hierarquizaçã social, atentando contra as liberdades fundamentais dum país democrático.
Por isso não há "progresso" na passagem dos media de massa para as novas técnicas, não há atraso da TV em relação à Internet, não há modernidade do multimedia em relação ao "arcaísmo" dos media tradicionais.
Também não há oposição entre a TV que se ocuparia do número, da massa, e os novos media que se ocupariam do indivíduo.
De facto a comunicação à escala colectiva ( de massa) é muito mais complexa que à escala individual.
Uma reflexão sobre o conjunto da comunicação mostra que os media generalistas exigem uma atenção que supera o nível puramente técnico, tendo que ver com a gestão muito mais complicada do grande número, da solidariedade e do vínculo social. Ou seja, são os media que criam a comunidade, de que as nossas sociedades estão tão carentes.
Não basta haver sistemas técnicos a nível global para haver comunicação mundial.
Na realidade uma boa mundialização imporia o equilíbrio entre as comunicações funcional e normativa, havendo o perigo de sobrevalorizar a primeira.
Ao nível da sociedade individualista de massa há que harmonizar com grande atenção as duas dimensões contraditórias da liberdade e da igualdade nas suas relações respectivas com os media de massa e as novas tecnologias.
Os desafios específicos que hoje se põem aos media de massa são a afirmação duma forte ambição pela TV pública na Europa, a recusa da argumentação puramente técnica, a necessidade duma regulamentação específica para a TV ( necessidade dum equilíbrio público/privado), enfim a revalorização da TV, ela própria, nos seus códigos, nos seus programas, nas sua ambições, nos seus profissionais.
Wolton termina este seu livro com um capítulo sobre o que designa por " deserto europeu da comunicação".
Já nos seus anteriores trabalhos ele manifesta o cuidado que a construção da Europa lhe merece, da Europa não somente económica mas também a dos cidadãos.
A comunicação europeia tem um papel fundamental na construção de tal cidadania, sendo predominantes as condições normativas e importantes as diferenças.
Insiste em que o mais importante na comunicação não é a técnica mas as condições culturais e sociais que devem ser criadas numa perspectiva europeia que respeite as diferenças.
A Europa tem de definir uma política da comunicação que seja fiel à sua história, à sua especificidade cultural.
Ideias como as de interesse público, de regras, de serviço público, atravessam todas as legislações e constituem a originalidade da posição europeia em relação aos Estados Unidos, e isto do norte ao sul da Europa, a Leste como a Oeste, para além das clivagens entre as tradições liberais ou socialistas.
Os eurocratas têm de escolher entre duas orientações totalmente diferentes : ou apoiar-se em toda uma tradição cultural, jurídica, política que faz prevalecer uma abordagem normativa da comunicação ; ou prosseguir a fuga para a frente, com um investimento ao nível puramente instrumental.
O reforço da concepção normativa levará à valorização da identidade, do ideal, da utopia, que deverão ter um lugar central na reflexão política porque a liberdade de informação não se deve transformar em lei da selva.
O autor, ao finalizar este seu trabalho, apresenta 10 propostas para pensar os novos media. Eis algumas para ajudar a apreender o seu pensamento.
À cabeça sustenta que o desafio da comunicação não é técnico mas diz respeito a compreensão das relações entre os indivíduos ( modelo cultural) e entre estes e a sociedade (modelo social).
Depois afirma que é necessário ter reservas quanto à criação dum fosso erróneo entre novos e antigos media, que se não guerreiam mas se complementam.
É fundamental melhorar a qualidade da oferta dos media generalistas porque o progresso não se situa apenas na lógica da procura das novas tecnologias.
Importante não esquecer que a comunicação à distância não substituirá a comunicação humana directa. E neste domínio o autor insiste em que a " aldeia global" é uma realidade técnica, não é uma realidade social ou cultural.
É necessário salvar o ideal normativo da comunicação internacional, isto é, sublinhar tudo o que a separa da "globalização".
Esta remete para a economia, para a lógica do interesse; a ideia de comunicação remete para os valores, para o ideal de universalidade e para a busca duma autêntica inter- compreensão.
É difícil resumir, em curto espaço, as riquíssimas reflexões de Wolton sobre a sua Teoria Geral da Comunicação da Sociedade Individualista de Massa.
Ele persegue, como sublinhámos, um ideal ilustrado sobre a situação do homem actual.
A defesa intransigente dos valores fundamentais ainda que complementares,da igualdade e da liberdade, atrai porém os intelectuais generosos de todos os quadrantes.
E ainda que reconheçamos o idealismo das suas propostas, face ao frio materialismo da comunicação de massas contemporânea, não é possível deixar de lhe dizer valeu: a pena.
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