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Recensão por: Francisco Paiva
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Space is the machine
Por Francisco Paiva
“A arquitectura é o mais quotidiano, o mais envolvente, o maior e mais culturalmente determinado artefacto humano. O acto de construir implica a transmissão das convenções culturais respondendo aos costumes e hábitos. A arquitectura torna-os explícitos, transmuta-os num domínio de inovação e, no seu melhor, de arte.” (p.11)
Em The social logic of space (1984) Bill Hillier considerara o espaço um aspecto da vida social cujo funcionamento e natureza seria passível de investigação por via de rigorosos instrumentos de análise gráfica, em particular através do software space syntax, hoje usado em diversas áreas, desde a reconstrução arqueológica ao projecto de edifícios complexos. Os processos analíticos preconizados contribuem para clarificar a articulação dos aspectos formais e espaciais, ademais da apreciação dos princípios configuracionais, da relação entre as partes, entre si e com o todo, dos edifícios ou da cidade. Hillier postula que o sucesso na identificação dos problemas da configuração permitirá desenvolver metodologias interdisciplinares – com contributos, por exemplo, da psicologia e da sociologia – para a optimização do meio construído. Indirectamente, prevê o aumento da influência da teoria na prática profissional.
Space is the machine: A configurational theory of architecture (1996) aparece na sequência daquele ensaio, tratando igualmente das razões da configuração dos edifícios e das cidades, do seu desempenho e das suas diferenças, expondo uma teoria mais preocupada com os fenómenos da arquitectura do que com as suas normas estilísticas.
O livro apresenta quatro partes. A primeira, Theoretical Preliminaries, lida com alguns conceitos da metodologia configuracional comuns aos âmbitos da arquitectura, do desenho urbano e da organização social. Hillier considera a configuração um aspecto “não discursivo” do espaço, inefável pelas técnicas linguísticas vulgares e que, por isso, a sua representação obriga à manipulação de outro tipo de entidades, especulativas e abstractas, para coordenar geométrica e formalmente o espaço. Sendo as teorias da arquitectura dirigidas para aspectos desta índole, desenvolve técnicas apropriadas à apreensão dos seus princípios, das “regularidades”(empregue no sentido de “regular”, daquilo que está em conformidade com as regras), não meramente tipológicas e prescritivas.
A segunda parte, Non-Discoursive Regularities, colige um conjunto de estudos onde se detectam as ditas “regularidades” entre a configuração espacial e o funcionamento dos edifícios, usando técnicas “não discursivas” de análise para controlar as variáveis arquitectónicas. O quarto e quinto capítulos, dedicados às dinâmicas na malha urbana, averiguam a influência da grelha no sucesso ou no fracasso espacial e económico da cidade. Aborda ainda o tempo, aspecto fundamental no estudo do espaço urbano, para logo se ocupar de modelos que possam maximizar as relações e os ritos sociais.
A terceira parte do livro, The Laws of the Field, reflecte o problema fundamental de saber como podem estes complexos modelos de interpretação do “campo” traduzir-se em obras, subsumido numa interrogação fundamental: “Será a arquitectura uma ars combinatoria?” À maneira iluminista, o autor pretende saber em que grau as condições físicas particulares do lugar alteram o sistema espacial e que efeitos produzem na configuração das obras, já que a variedade de usos implicar modos de ocupação e fluxos de pessoas distintos – este será, porventura, o aspecto de mais difícil quantificação –. Para entender esta variabilidade, Hillier considera três tipos de filtros: (1) as restrições funcionais genéricas, em parte, responsáveis por algumas características espaciais comuns; (2) os requisitos programáticos do tipo de edifício concreto; (3) as questões tectónicas e estéticas que personalizam e distinguem cada edifício dos outros. Partindo de uma matriz de linhas sobreposta aos espaços vagos da malha urbana (ruas, praças e largos), procura demonstrar como as regularidades observáveis na forma da cidade podem, tanto a nível local como global, assinalar o desempenho destes três filtros na forma dos assentamentos.
A quarta parte do livro, Theoretical Syntheses, colige as questões fundamentais dos momentos anteriores, designadamente as atinentes à revisão de dois problemas centrais da teoria: os pares dicotómicos forma/função e forma/conteúdo. No décimo capítulo, Hillier tenta demonstrar que a má formulação impede a resolução da primeira proposição: a função é adquirida, quando percebemos como e porquê os edifícios são objectos sociais, desempenhando um importante papel na manutenção dos actos da sociedade.
Hillier preocupa-se em entender o que fazem os arquitectos, alegando que a internalidade do projecto não pode ser compreendida sem conhecimento dos conceitos e processos “não discursivos”, já que a configuração (Durand chamava-lhe composição) é o seu âmago. Pensa, aliás, que apenas este modo de investigação teórico pode influir no desenho, em virtude dos métodos de projecto convencionais, que procedem da base para o topo (bottom/up), das características para as coisas, serem processos exploratórios falíveis; ou seja, servem para criar entidades arquitectónicas específicas, mas não desenvolvem o entendimento arquitectónico em geral.
Tendo seguido uma metodologia mais analítica do que normativa, Hillier afirma não pretender tornar a arquitectura numa ciência, antes procura demonstrar que é objecto cognoscível, com leis e convenções culturais (genótipo) que se apresentam em formas edificadas espaciais e físicas, em resposta a diversos contextos (fenótipo). Entende a arquitectura como campo de possibilidades, com determinadas leis e potencialidades espaciais, por analogia à estrutura da linguagem, em que a gramática restringe as possibilidades combinatórias e, concomitantemente, o seu significado.
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