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Recensão por: João Carlos Correia
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Afinal, há sociedade civil?
Por João Carlos Correia
A liberdade de expressão e a liberdade de imprensa são direitos que remontam à afirmação das sociedades liberais contra o despotismo estatal. Para John Keane, Professor de Política na Universidade de Westminster e Director do Centro de Estudos de Democracia, hoje, tais direitos não se afirmam apenas contra o Estado mas também contra a desregulação mercantil. Esta tese é defendida em "A Democracia e os Média", uma importante reflexão sobre liberdade de expressão, publicada entre nós na Editorial Temas e Debates, em Março do corrente ano.
Depois de uma descrição minuciosa sobre a emergência da liberdade de expressão e da liberdade de imprensa nos séculos XVII e XVIII, Keane conclui que tais direitos se afirmavam pela negativa como uma área de protecção do indivíduo contra os poderes do Estado Absoluto. Correspondiam, pois, a um momento que a edição de opiniões se identificava, muitas vezes, com a propriedade dos meios que as fazem circular e em que um pequeno proprietário independente era simultaneamente publicista, tipógrafo, redactor. Logo, tal concepção não pode ser transposta com eficácia para as sociedades complexas marcadas pelos grandes monopólios da informação e onde a propriedade privada dos média pode constituir uma ameaça para a livre circulação de informação e para a diversidade de opiniões. Assim, o actual discurso liberal sobre a desregulação dos média, ao transpor concepções emergentes no Século das Luzes para as sociedades mediáticas actuais, está desligado da realidade social e comunicacional.
Para além das ameaças provenientes do Estado através de formas subtis de censura e manipulação, Keane alerta para a necessidade de ter em conta que a desregulação acentuou a concentração, diminuiu a diversidade da oferta e conduziu à subrepresentação das minorias.
A defesa desta tese não significa a adesão acrítica às concepções estatizantes de serviço público. Keane admite os defeitos do serviço público tal como existe na Europa: criação de clientelas, homogeneização dos padrões de qualidade, ausência de critérios de racionalidade económica e riscos de governamentalização.
O formato institucional do serviço público defendido está, pois, longe de se identificar com o monopólio ou controlo estatal. Advoga-se, antes, um modelo misto com o desenvolvimento de uma rede de meios de comunicação social independentes do Estado e dos mercados, a maior parte resultante dos esforços da sociedade civil, suportados por incentivos que permitam a adopção de opções não apenas dependentes do lucro, embora obrigados por critérios de racionalidade económica que impeçam, nomeadamente, a formação de clientelas. No caso da propriedade estatal, tal conceito de serviço público privilegiaria órgãos de administração com representantes dos grupos socialmente relevantes da sociedade civil e não nomeados pelos governos.
Nesta concepção, os média de serviço público aumentariam a qualidade da comunicação, garantindo o fluxo aberto de opiniões e o debate de argumentos entre cidadãos, movimentos sociais, grupos de interesse, decisores, consultores e especialistas. Por outro lado, tais média assegurariam a emergência de novos direitos resultantes da diversidade cultura e social contemporânea, garantindo a interacção entre a sociedade civil e os mecanismos públicos de decisão.
João Carlos Correia
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