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Recensão por: Dora Urmal
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Yves Winkin - A NOVA COMUNICAÇÃO. DA TEORIA AO TRABALHO DE CAMPO, trad. De Roberto Leal Ferreira, org. e apresentação de Etienne Samain, Campinas, São Paulo, ed. Papirus, 1988. Originais: La Nouvelle Communication, Paris, ed. Du Seuil, 1984, páginas 13-109 e Anthropologie de la Communication. De la Théorie au Terrain, Bruxelas, ed. De Boeck-Université, 1988.
Publicada em 1998 pela editora brasileira Papirus, a obra A Nova Comunicação -Da Teoria ao Trabalho de Campo reúne um conjunto de textos -sínteses reflexivas e críticas- retirados das obras A Nova Comunicação e Antropologia da Comunicação, ambas da autoria de Yves Winkin, numa organização de Etienne Samain. E, deverá ser por nós encarada como um rico contributo para a superação de uma concepção da comunicação de modelo shannoniano e para a descoberta de uma outra, ainda inexplorada pelas ciências sociais tradicionais: a concepção orquestral da comunicação.
Que a comunicação está no cerne da antropologia é um facto inegável (afinal como viver no mundo, como pensá-lo e descrevê-lo sem comunicar?), que a antropologia se coloque no seio da comunicação para desvelar e questionar esse mesmo mundo no intuito de melhor compreender as práticas e interacções que o integram é o objectivo desta obra.
Mas, antes de mais, é útil dar a ver a sua constituição: esta tece-se propondo um percurso dual e como tal pode dividir-se em duas partes.
Uma 1ª - que podemos intitular de A Nova Comunicação- baseada numa pesquisa feita, em 1980, nos E.U.A., em que o autor nos dá a conhecer um leque de pesquisadores norte-americanos que formam desde 1950 um colégio invisível ao redor de Palo Alto e de Filadélfia e aos quais é legítimo reconhecer o contributo para uma nova leitura da comunicação e do universo social, lato sensu. Uma comunicação que se mostra como uma verdadeira orquestração (metáfora que adiante será explicitada) e não mais como uma mera transmissão telegráfica é assim proposta por eles, pesquisadores de formação antropológica e psiquiátrica: Gregory Bateson, Erving Goffman, Edward T. Hall e Ray Birdwhistell respeitam àquela e Don Jackson, Paul Watzlawick e Albert Scheflen a esta última -são eles os protagonistas deste original empreendimento.
E uma 2ª -que podemos intitular Da Teoria ao Trabalho de Campo- composta por um conjunto de textos baseados no trabalho de campo efectuado sob a égide da concepção antropológica da comunicação, sob a mise en scène desta, em que Winkin (após duas décadas de trabalho de campo) nos propõe uma leitura comunicacional a partir de quatro textos que reflectem sobre quatro terrenos- uma cantina de estudantes, uma sala de professores universitários, uma viagem de turismo e uma escola primária -que observou atentamente, sempre sob a óptica da nova comunicação. Estas quatro investidas revelam-se tanto mais relevantes e profícuas quanto mais dão a ver a consolidação, a maturação das virtualidades desta concepção.
Assim e à guisa de ponto da situação, o autor conduz-nos pelas potencialidades desta num primeiro momento através de uma história sócio-intelectual (onde podemos destrinçar as fontes desta corrente "ideológica") que passa inevitavelmente, pelos pesquisadores americanos que a conceberam (os quais já referimos) e num segundo momento através de uma descida ao campo onde nos mostra como praticar essa nova visão da comunicação: e nesse ponto põe-nos perante as duas vias de efectivar essa mesma prática -a psicoterapêutica e a etnográfica- e a maior utilidade que há em enveredar por esta última. Para Winkin só ela permite operacionalizar a teoria da nova comunicação porque só a observação proporciona a passagem do caos ao cosmos ou seja o aparecimento de regras.
Brevemente apresentada a obra, partiremos agora para uma sua leitura mais aprofundada , mais atenta e pormenorizada, no intuito de explorar esta proposta para destrinçar os seus pontos chave: objectivos, potencialidades, contributos, respostas, questões ...
Para "separar as águas" conforme se diz na gíria e chegar à acepção de comunicação com a qual se identifica, Winkin começa por clarificar a confusão de ordem semântica que se gerou em torno do termo comunicação e fá-lo traçando a evolução do termo nas línguas francesa e inglesa concluindo que, na contemporaneidade, prevalece a acepção da comunicação enquanto transmissão e envereda aqui por uma explicação do modelo de comunicação construído por Shannon e aperfeiçoado por Wiener: o modelo transmissional que é no fundo uma teoria matemática da comunicação. E, mostra a influência deste modelo telegráfico (assente no binómio EðR) em múltiplas disciplinas (cf. no modelo de comunicação verbal de Jakobson) e confirma a sua subsistência hoje como modelo de comunicação nas ciências, quer nos E.U.A. quer na Europa.
É nos anos 50 que um grupo de estudiosos se vai debruçar sobre o fenómeno comunicacional deixando, pela primeira vez, Shannon à margem desta empresa e é o modelo que deles vai nascer aquele que seduz o autor.
Tudo se inicia com Bateson e a sua equipa que, em conjunto, vão formular, com base em observações, uma teoria geral da comunicação; depois os antropólogos Birdwhistell e Hall procuram amplificar o campo tradicional da comunicação incluindo a gestualidade e o espaço interpessoal no seu estudo; o sociólogo Goffman vai tentar perceber de que modo as rupturas tecem também tecido social. Mais tarde, na década de 60 e depois de 70, Jackson e Watzalwick vêm dar sequência à obra de Bateson, e Sigman, por seu lado, retoma os ensinamentos de Birdwhistell e Goffman. Estes homens formaram o já referido colégio invisível que, no fundo, mais não é do que uma teia de ligações conceptuais e metodológicas, ou seja um consensualismo intelectual que os une espiritualmente mas quase nunca fisicamente -daí a invisibilidade desta escola. Esse consenso consistia fundamentalmente na oposição à aplicação do modelo de comunicação de Shannon à pesquisa da comunicação interpessoal que segundo eles leva a aporias insolúveis; e, ao invés, propõem uma visão quase naif que postula a observação in loco do comportamento humano como ponto de partida, como condição necessária para a construção de um novo modelo de comunicação -o modelo orquestral.
Vendo a comunicação como um todo integrado das formas de comportamento o colégio avança com o imperativo da análise do contexto (por oposição à análise do conteúdo shannoniano) i.e., do campo em que a interacção ocorre por esta ser irredutível a um processo matemático e lhe convir antes um modelo de pesquisa que dê conta das suas diferentes complexidades e contextos vários. Daí ser frequente o uso da analogia da orquestra entre os membros do colégio invisível na medida em que ela mostra que cada indivíduo tem participação no processo comunicacional, a partitura espelha o corpo das regras que orientam os comportamentos. O modelo orquestral vem devolver ao termo comunicação o seu sentido etimológico primeiro, original: o da comunhão, da participação, do pôr em comum.
Winkin prossegue com um olhar sobre a escola de Palo Alto, com a vida e obra de Bateson; depois é a vez de Jackson, ao qual se segue Watzlawick; em seguida debruça-se sobre a escola de Filadélfia e leva-nos até Birdwhistell, passa por Scheflen, Sigman e termina com Hall e Goffman.
Tudo começa com Bateson que destrói integralmente o pesquisador tradicional. Homem de formação científico-natural cedo envereda pela antropologia dedicando-se ao estudo da tribo Iatmul; de Margaret Mead retira a âncora metodológica e psicológica que lhe faltava e une-a à sua riqueza epistemológica e teórica. Juntos, até na vida privada, vão sobretudo estudar a questão da incorporação da cultura e Bateson procura construir uma teoria desta; o conceito de "cismogénese" é da sua autoria e designa o estudo da génese dos cismas que ligam indivíduo e sociedade no seio de um sistema social, fenómeno que muito o atraía; o trabalho de campo efectuado em Bali resulta na obra A photographic analysis onde a renovação dos métodos de campo, bem como um novo modo de apresentação dos dados e uma visão original da cultura e dos processos de socialização estão bem patentes. Embora muitos anglo-saxões o olhem de forma suspeita a sua posição intelectualista afirmou-se largamente.
Bateson vai ser o primeiro a inserir a cibernética nas ciência sociais; em 1948 abandona a antropologia e dedica-se à psiquiatria e procura formular uma teoria da comunicação derivada da cibernética conforme propõe em Communication: The social matrix of psychiatry (Bateson e Ruesch; 1951), a visão aqui exposta pode, por um lado, ser apontada como caracterizadora de todos os autores aqui referidos, na medida em que para todos eles a comunicação é a matriz de todas as actividades humanas, e por outro, pode dizer-se que prefigura o livro de Watzlawick, Beavin e Jackson, de 1967, Pragmatics of human communication. Em 1952 estuda os paradoxos da abstracção na comunicação e em 1954 sintetiza os seus estudos sobre a natureza do jogo entre os animais; em 1956, na obra Para uma teoria da esquizofrenia, Bateson e o seu grupo desenvolvem a famosa teoria do duplo vínculo (que aperfeiçoou incessantemente ,levando-o mesmo a separar-se da sua equipa em 1960 e a retomar a interrogação sobre a comunicação), ela funciona ainda como uma súmula do seu trilho intelectual -do estudo das crianças balinesas às lontras e paradoxos de Russell (dos colóquios da Fundação Macy a que assistiu e participou).
A hipótese do duplo vínculo tem tanto de interessante como de complexa e apesar do grande sucesso obtido num primeiro momento entre os núcleos americanos de pesquisa em esquizofrenia, a exposição desta hipótese foi muitas vezes feita de modo deficiente, senão mesmo erróneo; num segundo momento passa a ser uma hipótese falsa, para num terceiro voltar a ser estudada com o retomar do pensamento batesoniano.
Mas é a aplicação do conceito cibernético de mind aos sistemas vivos que vem consagrar definitivamente o seu pensamento enquanto dominante nas ciências humanas contemporâneas e Bateson torna-se então quase um mito.
Steps to an ecology of mind (1972) congrega os seus escritos de maior importância.
Para Winkin, Bateson é "...um observador fino, paciente, minucioso ..." , com uma espantosa visão de conjunto do seu percurso intelectual e cujo procedimento é acima de tudo dedutivo e interdisciplinar. Segundo o pensamento científico pré-moderno Bateson foi um espantoso visionário.
Chega assim a Jackson, um psiquiatra e psicanalista que em 1954 vem integrar a equipa de Bateson, e que cinco anos depois funda o M.R.I. (Mental Research Institute) para efectuar a aplicação à psicoterapia das pesquisas do grupo (fá-lo de imediato com a hipótese do duplo vínculo à terapia familiar, que denota grande influência de Palo Alto).
Mas Jackson é essencialmente um clínico e será Watzlawick o teorizador do seu percurso.
O M.R.I. e Jackson são inseparáveis: em 1961 Watzlawick, e em 1962 Weakland e Haley vêm juntar-se a ele, a Riskin e a Satir e rapidamente o instituto passa a liderar o desenvolvimento da psiquiatria. Quando Jackson morre (1968) e Haley e Satir enveredam por outras áreas, Fisch, Watzlawick e Weakland vêm colmatar a falta destes e a partir da década de 70 o M.R.I. volta a assumir o papel de líder. Não tardam a nascer divergências e com elas diferentes projectos no seu seio, se bem que todos falem de esquizofrenia e que todos sejam unânimes no reconhecimento da necessidade de aplicar métodos diferentes a problemas diferentes.
Aqui Winkin inclina-se sobre Watzlawick: em 1960, já ciente do trabalho de Bateson, trabalha com Scheflen e o seu grupo no estudo da relação terapeuta/paciente; logo depois Jackson leva-o para o M.R.I. onde recebe os ensinamentos dos mestres Jackson, Bateson e Erickson. Rapidamente apreende a lógica batesoniana e vai então reformular alguns dos seus conceitos e mostrar a sua aplicação -este é o embrião da já referida obra Pragmatics of human communication, considerada um clássico no âmbito da ideias do colégio invisível e da qual é co-autor.
Para ele e para a sua equipa a interacção não é a simples soma dos seus elementos e é por isto que se inserem no modelo orquestral da comunicação (não privilegiam a óptica sócio-antropológica -devido à sua formação- e neste aspecto contrastam com Bateson, Birdwhistell, Hall e Goffman); analisam em conjunto as técnicas terapêuticas de Jackson e Erickson e com base na obra supracitada propõem uma análise do funcionamento do paradoxo na psicoterapia.
Em How real is real? Communication, Disinformation, Confusion (1976) analisa a intervenção paradoxal e sai largamente do quadro psicoterapêutico, entregando-se às reflexões liguístico-filosóficas.
Partindo de Bateson, da sua teoria geral da comunicação, chegámos, com Watzlawick e a sua equipa, a uma teoria da terapia e só com Birdwhistell voltaremos então à primeira.
Winkin remete-nos aqui para a escola de Filadélfia e Birdwhistell é assim o quarto pesquisador descrito. Embora partilhe com o grupo de Palo Alto determinadas ideias, podemos apontar dois pontos de afastamento: a reflexão com base na antropologia linguística e a posse dos ensinamentos da linguística descritiva da década de 50. Homem pouco dado à escrita a sua obra é eminentemente oral; à semelhança de Bateson é influenciado por Margaret Mead e embora, inicialmente, se insira no grupo deste, rapidamente elabora a sua posição teórica; dedica-se ao estudo dos rituais amorosos entre adolescentes, esboçando uma análise dos códigos e das regras comportamentais que Goffman desenvolverá; preocupa-se em mostrar aos seus alunos que, quer a antropologia quer a sociologia não se confinam às macroestruturas. Como Sapir, vê a fala como um facto social e defende que a possibilidade de uma antropologia da gestualidade é tão pertinente como uma da fala.
Uma das suas maiores preocupações é a articulação entre corpo e sociedade/cultura; é um verdadeiro coleccionador de referências sobre o corpo e os gestos que, para ele, têm uma significação que flutua consoante o contexto da interacção onde se dão e não têm, jamais, uma significação imutável, uma etiqueta.
Em 1952 Trager e Hall elaboram um esquema de análise cultural baseado na linguística descritiva e Birdwhistell tenta aplicá-lo à gestualidade -o seu trabalho baseia-se assim numa selecção cultural de kinemas, i.e., posições corporais, embora a sua preocupação se prenda sobretudo com a construção de um código interaccional.
O período de criação mais activo foi para ele aquele em que sujeita o filme "Doris" (de Bateson) a uma análise psico-linguística e kinésica e, é também durante este período que descobre a sincronia interaccional e estuda minuciosamente o tecido da interacção, concluindo a impossibilidade de pensar a linguagem e a gestualidade separadamente, bem como a inexistência de uma hierarquia dos modos de comunicação consoante a sua relevância no processo interaccional. Concebe assim o comportamento individual como uma corrente comunicacional e esta concepção da comunicação enquanto processo plural constante (tão amplo quanto a cultura) é compartilhada por todos os pesquisadores aqui em foco: o duplo vínculo de Bateson e sua equipa foi construído nesta base, a pragmática da comunicação de Watzlawick idem, Hall e Goffman dirão da impossibilidade da incomunicabilidade, mas é em Birdwhistell que estão os primeiros fundamentos empíricos e o desenvolvimento teórico mais articulado desta tese.
Conclui ainda que a comunicação é um processo (de natureza essencialmente sistémica) em que os interlocutores participam, pressupondo uma sintonia interaccional -a comunicação enquanto sistema tem prioridade sobre o sujeito que nela se inscreve, e esta é mais uma ideia partilhada por todos.
Em síntese, parte de uma pesquisa etnográfica, passa para a análise dos microactos desembocando num pensamento aberto, de base antropológica.
Depois de 1956, sai de Palo Alto e une-se, em Filadélfia, a Scheflen e durante uma década investigam conjuntamente; lecciona até 1988; faleceu há seis anos.
Winkin passa então a Scheflen, pesquisador cuja obra pode ser encarada como um complemento da de Birdwhistell, ainda que original na medida em que propõe um método de pesquisa fundado na linguística descritiva e ao qual chama análise contextual (aquele tinha já proposto uma análise do contexto mas Scheflen expô-la mais claramente).
Este inscreve o seu trabalho na visão batesoniana de uma nova epistemologia; em 1950 liga-se a Jackson e envereda pela terapia familiar; em 1956 cria com outros investigadores o I.D.A. (Institute for Direct Analysis) e estuda as técnicas de intervenção; em 1960 publica A Psichotherapy of Schizophrenia. À semelhança de Birdwhistell fala-nos de análise contextual e de observação sistemática: a ideia base reside numa hierarquização de níveis que lhe permite ver a interacção como um processo global. Mas também se destaca daquele trabalhando sempre unidades mais amplas, propondo três níveis kinésicos distintos e dizendo que a interacção tem o seu início e o seu fim com um deslocamento espacial -à complexidade da dimensão temporal segue-se então o estudo da dimensão espacial (um espaço interpessoal estruturado que convoca a ideia de uma hierarquia de níveis de análise).
Scheflan utiliza também a analogia da orquestra para confirmar a existência de um código implícito (o de Sapir): se os músicos tocam com uma partitura implícita, os indivíduos agem com um código implícito.
Depois de uma passagem pelo estudo da organização social do espaço interpessoal (que Hall iniciou e apelidou de proxémica), no final dos anos 70, regressa ao estudo da esquizofrenia.
Winkin finda a apresentação destas duas escola com Sigman, um pesquisador já da 3ª geração, formado por mestres como Birdwhistell, Goffman e Hymes; é hoje líder da denominada abordagem social da comunicação (comunicação + trabalho etnográfico).Etnografia da Comunicação (Hymes; 1964) reúne as suas reflexões linguísticas e antropológicas.
Em 1960, pela 1ª vez, a disciplina de Etnografia da Comunicação é sugerida por Hymes, com base em declarações de Goffman e Hall, os quais diziam que a etnografia e a comunicação devem formar um quadro referencial do lugar da linguagem na cultura e na sociedade; para Hymes a competência comunicacional é tão importante quanto a competência linguística e requer regras, códigos -a etnografia da comunicação é afinal uma etnografia da fala: mas Sigman sabe que a linguagem é apenas um dos muitos sistemas infracomunicacionais e preocupa-se com as regras que proporcionam o surgimento dos assuntos de conversa (cf. Goffman).
E, depois de passar pelas escolas e por Sigman, Winkin conduz-nos até Hall e Goffman enquanto dois estudiosos independentes que denomina, precisamente, de franco-atiradores.
Comecemos por Hall que, como já foi referido, estudou o campo da organização do espaço interpessoal sob a denominação de proxémica; em campo, estuda os "choques culturais" e atenta especificamente no fenómeno resultante no contrato entre membros de cultura distintas; empenha-se também na desconstrução da codificação que subjaz à comunicação intercultural. Em The Silent Language (1959) Hall sugere a pertinência de encararmos a cultura como um sistema comunicacional -um complexo conjunto de regras e de códigos contudo decomponível e analisável- e esta visão é, mais uma vez, partilhada por todos estes pesquisadores analisados.
Em 1960 retoma as pesquisas e interessa-se pela relação homem/espaço, a reflexão sobre o espaço enquanto dimensão oculta da comunicação dá origem à sua obra The Hidden Dimension (1966), para Hall todas as culturas organizam o espaço em função do território e por isso propõe uma escala de distâncias interpessoais -note-se que enquanto elaborava a sua proxémica contactou com Birdwhistell, Scheflen e Goffman entre outros.
Divide com o colégio invisível a concepção da comunicação como um processo de diversos canais em que as mensagens se fortalecem e controlam continuadamente.
The Fourth Dimension in Architecture, Beyond Culture, The Dance of Life, An Antropology of Everyday Life e West of the Thirties são algumas das suas obras mais proeminentes. É o único sobrevivente do colégio invisível.
E terminemos com Goffman que procura destrinçar as normas regentes da interacção quotidiana através de rupturas no tecido social. The Presentation of Self in Everyday Life, Relations in Public e Interaction Ritual são obras eminentes; Communication Conduct on an Island Community, o seu doutoramento, é uma tentativa de delineação de uma teoria sociológica da, já tão referida, comunicação interpessoal.
Defende que é no quotidiano, nas situações mais banais possíveis, que residem os maiores e mais ricos desafios sociais. Tanto no que respeita à sua metodologia laboral (etnográfica) como à sua teoria interaccional (que nunca chegou a tornar-se numa etnografia completa) Goffman é um representante característico da escola de Chicago, a qual tem no fieldwork uma característica tipicamente sua. É importante lembrar que esta sintetiza a teoria da formação social do si, iniciada por G. H. Mead e traduzida na obra Mind, Self and Society.
Contudo, apesar desta aproximação ou até inserção na escola de Chicago, Goffman produz em cada obra sua um distanciamento desta na medida em que relaciona o interaccionismo simbólico com outras abordagens teóricas fazendo nascer uma variedade de objectos originais.
Reporta-se aos códigos da interacção em Strategic Interaction e privilegia os aspectos que são calculáveis, previsíveis, controláveis.
Segue-se Frame Analysis e Forms of Talk onde usa todo o espólio conceptual de análise conversacional. Falece em 1982.
Winkin questiona então em que é que este pesquisador partilha a visão orquestral da comunicação e conclui: é membro do colégio invisível, através do seu amigo Birdwhistell (das conferências da Fundação Macy) entra no grupo de Mead e Bateson; tem contacto com Hall e Scheflen. Mas, acima de tudo, crê, à semelhança de todos os seus colegas, que o comportamento se rege por códigos e regras e que é ele o fundamento de um sistema geral de comunicação; a partilha invisível orquestra a interacção e Goffman pensa essas regras como determinantes da interacção dos indivíduos, fala de relações sintácticas entre eles, fala de uma gramática da vida quotidiana.
Após esta longa (mas como a evitar?) exposição dos homens e das obras que foram tecendo a nova comunicação, o autor vai inseri-los num contexto de maior amplitude: a corrente estruturalista, ou não se integrasse o seu pensamento nela embora as divergências sejam vincadas. As fontes de reflexão de Bateson, Birdwhistell ou Hall e mesmo a analogia da orquestra não são afinal suas, antes remontam a um paradigma que está vigente nas ciências humanas há já meio século.
Europeus e americanos estavam envolvidos na concepção de um projecto de uma ciência da comunicação mas, inicialmente, apenas os europeus "apresentaram trabalho" -especialmente Lévi- Strauss. Contudo, o projecto europeu tem vindo a desacelerar e resta-nos esperar que os americanos reanimem esta empresa.
Crêem que todo o campo submetido à aprendizagem cultural é da alçada da comunicação: Lévi- Strauss funda, com as sua regras de parentesco ou da linguagem, o estruturalismo europeu contemporâneo; Jakobson retoma-o e relaciona a visão deste com a de Sapir; Eco propõe a semiótica como teoria geral da cultura que, acaba por ser, uma teoria geral da comunicação. Esta concepção ampliada da comunicação auxilia o entendimento da relação entre diferentes tempos e espaços do pensamento actual.
E, diz Winkin, que assim vemos de que forma se estabelece uma relação entre os projectos de inspiração estruturalista e os do colégio invisível: que os sistemas em que os indivíduos se inserem segundo regras, que a ideia do contexto está presente e que o modelo orquestral da comunicação -americano mas de forte influência europeia- pode contribuir largamente para esse projecto de uma ciência da comunicação é um facto adquirido.
Se o estruturalismo europeu optou por explorar uma linguística da língua, os pesquisadores aqui reunidos procuraram contribuir para preencher a lacuna deixada pela inexploração da linguística da fala -trabalhando-a e abrindo assim novos horizontes à pragmática- e para enriquecer aquela outra ou não incidisse a sua pesquisa sobre ambas, atentando quer na competência quer na execução.
Abrirão as suas considerações sobre a comunicação caminho para o rejuvenescimento do programa estruturalista? Este percurso relâmpago mostra como as potencialidades estão aí, fervilhantes...
Antes de efectuar a passagem da teoria ao trabalho de campo, Winkin fala-nos um pouco da etnografia, do procedimento etnográfico enquanto tradição de pesquisa perfeitamente adequada à investigação da comunicação.
Começa pela três revoluções da etnografia: esta, é inicialmente estudada por via indirecta (são os viajantes e missionários que recolhem os dados que posteriormente fornecem aos etnólogos) mas, em 1915/20 dá-se, com Malinowski, uma primeira revolução e o etnólogo torna-se antropólogo, o que significa abandonar o lar, ir para o campo e permanecer lá efectuando as suas observações e recolhas -o objecto estudado passa de "exótico" a "endótico", i.e., por exemplo, a tribo em estudo é agora um conjunto de seres humanos seus iguais; em 1930/35 tem lugar uma segunda revolução com Warner: a pesquisa sofre então um deslocamento e das terras estrangeiras passa a estudar-se a própria América, as suas pequenas cidades enquanto microsociedades (esta "viragem para dentro" deve-se em grande parte à escola de Chicago); em 1950 ocorre uma terceira e última revolução: a tendência, na linha da segunda revolução, é a de progressivamente deixar de se privilegiar o estudo de ambientes cativos, minorias, estratos sociais mais frágeis, etc.
Winkin convoca para aqui a sua definição, ou visão se preferirmos, da etnografia contemporânea: "[Ela] é uma arte uma disciplina científica que consiste em primeiro lugar em saber ver (...) que exige saber estar com (...) e que se saiba escrever".
Avança aqui com uma exposição -feita aos seus alunos no âmbito da cadeira impostas pelo trabalho de campo que, sumariamente, podemos apontar como sendo quatro:
1. Escolher um campo público ou semipúblico;
2. Efectuar uma observação sistematizável;
3. Efectuar mapas temporais;
4. Ir-e-vir entre o campo e a teoria.
E sublinha ainda a importância, durante o trabalho de campo, da existência de um diário onde se efectue o registo continuado das observações efectuadas com vista a que, dessas anotações, possam emergir regularidades e, posteriormente, destas emirjam regras que são essenciais para o efectuar de generalizações aquando do relatório final. O diário tem, para além desta função empírica e analítico- reflexiva, uma outra catártica- emotiva, segundo Schatzman e Strauss (1973)-, na medida em que funciona como receptáculo quer das angústias quer das alegrias do etnólogo.
Mas os requisitos das pesquisas não se detêm por aqui: o observador tem o dever metodológico e sobretudo deontológico de se dar a ver àqueles que observa- e este é um imperativo moral também ou sobretudo...
Winkin chama-nos então a atenção voltando-se para as dificuldades que este empreendimento acarreta, especifica três:
1. Devido às meras constatações iniciais a tendência é para se efectuar, não uma "fuga para a frente", mas antes um recuo, uma "escapadela" sobretudo através do adiamento
2. O observador tende a sentir-se um voyeur
3. O observador tende a sentir-se desorientado, numa fase posterior, com o excesso de informação recolhido que é necessário administrar
E, obviamente, aponta de imediato algumas soluções, de entre as quais salientamos quer a necessidade de consciencialização da existência de vários obstáculos quer a necessidade de permanecer in loco.
Um último apontamento no que respeita a esta matéria: com o crescendo de informação o etnólogo tem no aspecto escrito, literário se preferirmos, um aspecto a cultivar na medida em que a (má) escrita pode alterar a percepção das observações, por isso ela é uma área fulcral da formação antropológica, precisamente para ser formadora e não deformadora do seu trabalho. Independentemente de todos estes requisitos, problemas e soluções, o trabalho etnográfico é, para o autor, o melhor meio de apreensão do social ou não estivesse o universal no coração do particular.
Eis que chegados enfim aos já famigerados textos em que Winkin, deixando a teorização, nos leva a mergulhar no terreno, no campo.
São quatro textos que se tecem como relatórios de experiências etnográfica ocorridas em contextos familiares, ei-los:
1. "Falar ao Comer": abre-nos uma cantina estudantil
2. "Da Ingratidão dos Jovens": fala-nos do clientelismo universitário belga
3. "O Turista e o seu Duplo": conduz-nos por duas viagens turísticas, delineando uma teoria geral do "encantamento"
4. "O E-Mail não é um Telégrafo: NTIC e Aprendizagens Sociais" : mostra-nos uma escola primária e mostra a vantagem de analisar as NTIC numa perspectiva orquestral.
À pergunta "porquê esta escolha?" Winkin responde com três mensagens que aqui sintetizamos:
1. (Porque) o campo "exótico" já deixou de ser um requisito necessário para efectuar uma pesquisa etnográfica e é o campo "endótico" que se revela ainda mais interessante
2. (Porque) o campo "endótico" é um campo concreto, particular, circunscrito e do seu estudo emergem problemática que superam em larga escala esse lugar restrito
3. (Porque) a comunicação é fundamentalmente um ponto de vista teórico sobre o social e um quadro analítico organizador dos dados recolhidos pela via empírica
"Falar ao Comer" oferece-nos uma leitura do comportamento conversacional numa cantina e dos mecanismos de auto-protecção estabelecidos pelos diferentes grupos interculturais.
Durante bastante tempo Winkin debruçou-se sobre o funcionamento destes espaços (especialmente na Casa Internacional de Filadélfia) e estudou de que forma se desenvolve a comunicação integrativa numa instituição cuja própria organização é vocacionada para relacionamento intercultural, qual o grau de previsibilidade dos comportamentos nela e quais os respectivos códigos e contextos fundadores- podemos ver aqui uma nítida inspiração na teoria comunicacional de Ruesch, Bateson e Birdwhistell.
Atenta no desenrolar das refeições e conclui que os dados verbais são apenas uma parte dos dados comportamentais, que as conversas ficam-se num plano bastante superficial, que o final da refeição se dá como um ritual, que os europeus concluíam sempre, no final da conversa, da sua superioridade sobre os americanos e identifica ainda como último traço o facto de as conversas na cantina reafirmarem insistentemente a existência de regras que presidem à regulação do comportamento em sociedade- um código.
"Da Ingratidão dos Jovens" aborda um assunto tão tabu quanto vulgar no mundo académico: o clientelismo que baseia as relações entre patronos e principiantes. Tudo se funda afinal numa relação de troca, se bem que o jovem reconheça insistentemente a dívida para com o veterano, confirmando-a interaccionalmente pela diferença estatutária.
Diz Winkin que o clientelismo universitário belga é uma verdadeira matriz produtora de académicos e é enquanto conjunto complexo de microtransacções que ela é aqui analisada.
"O Turista e o seu Duplo" constitui-se como uma teoria geral do "encantamento", da "euforia", no dizer do autor. Este enlevo é visto como um puro comércio que envolve turistas e guias.
Winkin pretende convidar os pesquisadores à produção de trabalhos etnográficos sobre esse fato social que é o turismo. E para tal, parte da sua experiência como turista (relatando duas experiências, uma em Meknes outra a sul de Douz, na Tunísia) e, num trabalho mais conceptual- acerca desse "encantamento"- , procura estabelecer uma ponte entre a as análises macro e microssociológicas deste fenómeno. Investiga assim em pormenor a interacção que prende turistas e guias.
Uma última nota, justificativa, relativamente ao título do texto: o guia acaba por ser o duplo do turista uma vez que o seu olhar se interpõe entre este a realidade, construindo-a, manipulando-a, criando enfim um universo fortemente sedutor.
Na 1ª experiência de Winkin o guia destruiu essa ilusão, já na sua 2ª experiência guias e turistas participaram activamente na contemplação do lugar. O "encantamento" seria o objecto de uma antropologia turística em toda a sua amplitude e fragilidade.
"O E-Mail não é um Telégrafo: NTIC e Aprendizagens Sociais" é o quarto e último texto apresentado e mostra-nos porque é que, funcionando o e-mail como um emissor/receptor de mensagens (similares a telegramas), este não tem de ser necessariamente perspectivado, enquanto fenómeno comunicacional, pela óptica telegráfica.
Com o aparecimento das NTIC a concepção wieneriana reentrou em cena, mas o autor mostra-nos como a abordagem social da comunicação é por aquele desprezada, excluída.
Ora, foi precisamente Winkin que começou, em França, a divulgar sob a designação de nova comunicação, uma proposta distinta baseada numa outra definição de comunicação (e que engloba já essa abordagem social descurada). Esta permite não só efectuar uma análise original dos fenómenos sociais (incluindo o uso das NTIC claro está), bem como proceder à desconstrução dessa utopia -muito wieneriana- da comunicação transparente e de um mundo melhor graças às NTIC.
Da observação na escola primária chega às seguintes conclusões: numa perspectiva telegráfica o que lá acontece é irrelevante, só de um ponto de vista orquestral das NTIC, através de uma pesquisa paciente, é possível o alcance de regras.
Contudo isto impõe limites: o tempo é inimigo da lógica económica, a abordagem antropológica das NTIC substitui-as a cada contexto... daí o limite dessa contextualização se tornar um problema e, por fim, o facto de se deixar a selecção de dados ao critério do pesquisador também trás algumas reticências.
Pensar as NTIC orquestralmente e estudá-las etnograficamente é a solução para as resgatar de uma via utópica, para as retirar de uma visão simplista e redutora e as reenquadrar num pensamento complexo onde os quadros da interacção dos processos comunicacionais se renovam e enriquecem permitindo a valorização das noções de contexto e de relação em detrimento do conteúdo garantindo, deste modo, uma pluralidade de modos de análise, a pluralidade intrínseca a uma análise antropológica da comunicação.
A fechar uma última palavra sobre a concepção orquestral da comunicação, a qual fora já esboçada por autores como Cooley, Sapir e G. H. Mead (antes de 1940) e, posteriormente, construída pelos pesquisadores já nossos conhecidos, cuja análise feita por Winkin sintetizámos.
Este pensamento articulado ao trabalho de campo dito etnográfico, que é indubitavelmente o melhor instrumento de combate contra uma comunicação utópica, deficiente, limitada, permite a emergência de uma antropologia da comunicação, que Winkin sempre perseguiu, não só nestas duas obras nesta reunidas, mas ao longo de todo o seu percurso intelectual.
É deste acoplamento entre a perspectiva orquestral da comunicação e o trabalho etnográfico que nasce e cresce uma antropologia da comunicação.
Tempo para conclusões.
Diz Winkin que com este percurso, pela história do surgimento desta nova comunicação e pelos quatro campos estudados, quis apenas lançar as fundações de uma (e não da) antropologia da comunicação.
Mesmo a terminar, o autor deixa uma breve mensagem àqueles mais cépticos: as críticas de que a antropologia da comunicação impõe uma visão fixista da história e de que não analisa a violência, as crises, as revoluções, etc., são infundadas porque a performance da cultura (evidenciada aqui nos textos focados) implica um fluxo incessante e o ruído social também é por ela estudado, e com um grau de interesse equivalente ao de uma situação quotidiana.
A proposta de Winkin pode talvez ser definida, brevemente, como sendo, in fine, uma atitude perante a vida e o mundo, uma atitude goffmaniana de questionamento permanente, de abertura constante...
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