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Recensão por: Eloisa Beling Loose Vitalidade, credibilidade, proximidade e intimidade. O rádio proporciona que a informação veiculada seja recebida a qualquer hora, em qualquer lugar, por milhares de pessoas ao mesmo tempo. O jornalismo em rádio viabiliza a instantaneidade e reforça o caráter de verídico, já que esse meio de comunicação é ágil e tem maior facilidade em presenciar os fatos. Porém o radiojornalismo não é apenas a forma de construção da notícia, com sua transmissão e recepção. Eduardo Meditsch amplia a maneira de se observar o radiojornalismo, a partir da exposição de suas teorias, da análise de seu discurso e do esmiuçamento da objetivação da informação.
O livro apresenta-se fundado em casos de emissoras de rádios especializadas no Brasil e em Portugal, nos meados da década de 1990. O autor, com evidente domínio sobre o assunto, expõe com o auxílio de estudiosos da área os principais pontos que condizem à realidade radiofônica, a menos pesquisada das áreas que tangem a comunicação social.
O primeiro ponto abordado por Meditsch é a diferenciação entre rádio informativo e radiojornalismo. Segundo ele, o primeiro é um formato de programação e também uma instituição social com características próprias que se distinguem no campo da mídia, enquanto radiojornalismo é uma produção que vive ‘confinada’ nas emissoras que adotam esse formato. Em seguida faz referência ao estudo das tecnologias intelectuais, apossando-se das palavras de Schiffer (1991) para dizer que “o rádio foi o primeiro artefato eletrônico a penetrar no espaço doméstico”, e explana sobre os escassos trabalhos desenvolvidos na área radiofônica em comparação aos demais meios de comunicação, especialmente nos países de língua portuguesa.
Para delimitar as especificidades do radiojornalismo, pesquisadores que estudam o jornalismo na construção como conhecimento como Park, Traquina, Tuchman, Hall e Lage são trazidos para o interior da obra para colaborar com as noções gerais de suas análises. A partir disso, o discurso como forma de construção social é inserido com o intuito de relacionar a forma com o conteúdo da notícia e a percepção que seus receptores possuem deles. Meditsch, ao colocar em evidência sua estratégia metodológica de investigação questiona: de que maneira o rádio informativo dentro do campo jornalístico reflete e refrata a realidade? Como resposta três hipóteses em que propõe: primeiro - a caracterização do rádio informativo como uma tecnologia intelectual eletrônica; segundo - a especificidade do rádio como tecnologia intelectual a partir da linguagem sonora e invisível, enunciada em tempo real; e terceiro - a demonstração de que a objetivação no discurso do rádio é que se caracteriza por específica do veículo.
Apresentado seu problema, o autor mostra a forma como irá investigar suas hipóteses. Assume o trabalho em função das teorias, mas não deixa a prática de lado, vinculando suas descobertas com a observação empírica da situação. Seu trabalho de campo teve a finalidade de contextualizar a pesquisa e propiciar exemplificações. As rotinas de trabalho, o discurso jornalístico no rádio, as razões práticas que orientam o cotidiano das empresas radiofônicas e a coleta de dados fazem parte do início do estudo.
No segundo capítulo, comparações entre Brasil e Portugal são feitas no que remete à construção da notícia e a oralidade. Enquanto no nosso país a divisão de funções seja comum e a apresentação das notícias seja feita por um locutor (profissional da voz), em Portugal é o repórter que apura, redige e apresenta ao microfone sua reportagem. Nota-se aí uma diferença nas rotinas de produção: o jornalista toma espaço dos especialistas em locução e redatores.
Ainda tratando da condição de ser jornalista, as relações de poder e a firmação da identidade do profissional são expostas. Meditsch fala da influência da cultura dos jornalistas no rádio informativo na adoção de modelos desenvolvidos por uma profissão que tem origem histórica ligada à tecnologia da imprensa (na época intencional e necessária) e da atual vontade da literatura técnica em abandonar a imagem do “jornal falado”.
Outro ponto levantado é a mediação organizacional inserida no campo jornalístico. As pressões econômicas, éticas e políticas vivem em crise no exercício da profissão. O posicionamento perante o proprietário da emissora e a confiança depositada pelo seu público devem ser medidos com cautela: ao mesmo tempo em que o jornalista deve aprender a obter poder e recursos para o patrão, deve manter a credibilidade profissional da redação. As relações contraditórias de interesses são características intrínsecas do processo de produção de notícias. Quando se refere à mediação do público põe em foco sua presença não apenas na etapa posterior à transmissão, mas também em uma interior, na qual o ouvinte é representado como a intencionalidade que orienta a programação. A definição de um público-alvo, atividade primordial no processo de segmentação, requer seleção tanto do conteúdo quanto da forma. De acordo com Távola, existem dias tendências que perpassam essa construção: as rádios de alta e de baixa estimulação. As primeiras seriam aquelas voltadas para as classes populares, que fazem uso de mais estímulos e têm caráter mais mobilizador. As segundas seriam justamente o contrário, utilizando falas mais elaboradas e distantes do coloquial, orientando-se para uma classe média com base estrangeira.
A individualização de públicos força a seleção de notícias e a codificação operada necessariamente variáveis que devem fluir de acordo com o interesse dos ouvintes-alvo. Essa segmentação permite que os produtores que o conteúdo seja facilmente determinado e que a publicidade terá mais sucesso com sua inserção (à medida que o produto seja de consumo comum de um certo público-alvo). Além disso, é importante sublinhar a questão do feedback existente em emissoras radiofônicas: grande parte delas possui telefones para manter vínculo constante com a sua audiência.
No que tange à fidelidade dos ouvintes, Meditsch ressalta a valoração do estabelecimento de uma programação periódica e rotineira, a partir do qual a produção pode-se organizar informações e realizar definições pertinentes. Embora cada emissora adaptará sua rotina de produção em função de seu horário de fechamento (deadline), o tamanho de sua equipe e a localização de seu especo geográfico, há de atentar-se para que a captação da informação não seja subsidiada apenas por fontes oficiais (àquelas ligadas ao poder), de forma a centralizar o noticiário.
Em algumas rádios, investe-se na especialização dos repórteres por áreas/temáticas de cobertura. Outras negam a prática em nome da ‘versatilidade’ da equipe de reportagem. O importante, segundo a obra, é não se envolver além da notícia com as fontes. “Repórteres especializados têm maior domínio sobre o conteúdo que ocorre em suas áreas e maior conhecimento sobre o assunto, Em contrapartida, tendem a uma intimidade com as fontes que prejudica a interdependência em relação aos seus interesses (...). Por outro lado, repórteres não especializados são mais facilmente manipulados, e muitas vezes simplesmente desqualificados pelas fontes, por falta de informação básica sobre assuntos técnicos e complexos”, avalia o autor do livro.
Uma crítica à produção contínua da informação, exemplificada pelas que são veiculadas nas ondas do rádio, é a falta de acompanhamento do que foi produzido, com o objetivo de avaliar sua qualidade e até mesmo recuperar certas informações para reaproveitamento (suíte ou arquivo). Ainda que as emissoras gravem toda sua programação, ela dificilmente é aproveitada para o controle do conteúdo pois, a mensuração dos resultados é tido como um custo suplementar e menos urgente.
A mediação técnica e tecnológica é vista como uma condicionante da evolução do meio de comunicação, mas não uma determinante. A história e cultura dão o tom de como exercitar o radiojornalismo em cada lugar. No entanto, as influências primordiais ficam por conta da política e da economia (ao menos no que diz respeito ao conteúdo das notícias), por interferirem não somente nos espaços que ocupam nos relatos oferecidos para o público ou nas implicações imediatas que esse relatar acarretará para as emissoras: influenciam na própria existência e orientação do público ouvinte em relação à realidade.
Ao tratar da oralidade, maneira como se dá a socialização de técnicas e valores, Meditsch comenta a depreciação usual da linguagem eletrônica do rádio informativo. Ele sugere que seu uso subestima suas potencialidades em algum sentido e propõe uma análise de suas características. O som ainda é pouco estudado em virtude de nossa civilização privilegiar o visual, porém o autor busca em pesquisas de semióticos e outros estudiosos do som, do cinema e da linguagem jornalística para apurar suas questões.
Em primeiro lugar, discorre-se sobre o universo auditivo como sendo o suporte material do radiojornalismo. As discussões que fomentam o formato (“a construção de um mundo acústico da realidade”) e o embricamento entre o gênero jornalístico, com traços oriundos da imprensa escrita, com o discurso eletrônico-oral do rádio são temas que parecem encantar o autor. Ele relata a dificuldade da análise quando revela que desde sua origem o radiojornalismo tenta encontrar uma maneira de expressar de forma sonora um conteúdo que tomou existência na tecnologia da imprensa: “Mais do que uma ‘imitação da imitação’ – imitação sonora da imitação escrita da palavra falada originalmente – a linguagem do rádio informativo precisa ser uma superação da superação”.
Em um passo adiante da análise, o desvelamento de qual seria o eixo de estruturação eletrônica do objeto aqui estudado: o tempo. Daí a explicação de sua diferença para com o meio televisivo, que depende das imagens para localizar as pessoas em um espaço. A dimensão temporal torna possível a composição de significados e a própria existência de uma linguagem exclusivamente sonora. Devido a essa sua peculiaridade, o rádio conseguiu de forma mais ampla desenvolver o discurso do jornalismo, tido pela sua dupla contemporaneidade – por ser, de acordo com Weaver, relato atual de acontecimentos atuais. Sua condição ao vivo, permite que a simultaneidade, o maior efeito de realidade e a empatia do público sejam concretizadas. Sob outra ótica, a condição eletrônica do discurso induz o próprio enunciado a se tornar mais e mais efêmero.
A partir do aprofundamento dessas colocações, Meditsch diz que a forma do ‘discurso invisível’ possui uma oralidade que não é apenas aparente (o que produz o efeito de realidade ao mesmo tempo em que confere credibilidade ao conteúdo), caracteriza-se por um sistema multitemporal e desmembra pontos que podem fazer fruir a narrativa radiofônica como um meio de expressão (e não apenas de transmissão). Outros aspectos notados, situados sob o ponto de vista retórico, ressaltam a presença do enunciatário, a produção do enunciado como uma forma de sedução do ouvinte e a questão tópica do discurso: sua participação na construção social da realidade de uma maneira específica ( já que há o lugar social de sua produção e o lugar social de seu consumo).
A primeira especificidade percebida pelo veículo de comunicação rádio é a portatilidade de sua recepção. O rádio alicerça-se na premissa de que está falando com cada um de seus ouvintes individualmente, embora seu alcance busque o coletivo. Nesse processo há o duplo contexto, onde de um lado existe o privado do receptor ambientado em lugar geralmente conhecido e, do outro, o contexto trazido pelo ambiente sonoro artificial inserido nas ondas do rádio.
Compreensão envolve conhecimento da linguagem e de seu processamento, mas passa por etapas anteriores, como a de fixação comunicativa através da atenção. Ao transmitir o discurso radiofônico, o funcionamento do filtro emocional torna-se mais evidente no direcionamento e concentração desta atenção. A simultaneidade e a persuasão decorrentes do discurso oral podem ser compreendidas pelo processamento automático das falas (que encobre imperfeições) e pela limitação da memória biológica (deixa escapar lapsos de raciocínio).
Quanto à recepção do ouvinte, os estudos mostram que a informação do rádio estabelece uma interface sonora com a realidade, que seria marcada pelo artifício da presença física, imediata, próxima e envolvente. No entanto, essa realidade seria transposta em função de um fluxo temporal e histórico. É importante lembrar que a tenção do ouvinte pode ser feita de inúmeras formas, entretanto só é mantida por meio do interesse. O autor declara que “a relevância determina, igualmente, o que a memória biológica guarda, e assim define a possibilidade da informação radiofônica intervir na realidade”.
Na conclusão de sua obra, Meditsch observa que a realidade colocada para o ouvinte na verdade é uma representação do real, manifestando-se não só a realidade referencial, como também a subjetiva de seus produtores e a intersubjetividade de sua inserção social. Enfatiza que o rádio informativo reflete e refrata a realidade de maneiras específicas, através de sua construção, de seu discurso e de sua objetivação, e ainda desvenda a vontade de seus estudos poderem colaborar com o aperfeiçoamento e a formação dos profissionais da área.
Percebe-se o anseio de incentivar novos pesquisadores a se aventurar nos estudos do jornalismo feito em rádio e na necessidade que o autor-professor vê de preparar os profissionais de maneira adequada para circularem e produzirem no ambiente do ‘discurso invisível’. Os esforços para reunir tantos detalhes sobre a temática e a paixão circunscrita nas palavras do autor transformaram a leitura de “O Rádio na Era da Informação” em uma verdadeira aula sobre as teorias e as técnicas do radiojornalismo.
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