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Recensão por: Francisco Paiva
A
obra La catedral gótica, de
Otto von Simson, versa as origens da arquitectura gótica e o
conceito medieval de ordem. Começando por questionar-se em que
medida a definição da Idade Média como época
de fé condicionou a análise e compreensão da
arte em geral e da religiosa em particular, o autor considera que a
questão principal é a de saber que tipo de experiência
inspiravam estes templos nas pessoas que aí oravam, afirmando
que a catedral, enquanto obra de arte, corresponde à visão
teológica do Século XII. Hoje, resta-nos sobre ela uma
situação de cegueira, camuflada por estudos eruditos
maioritariamente debruçados sobre os aspectos estéticos
e construtivos. Simson esclarece interessar-lhe mais a arquitectura
como sistema, bem como a razão da origem do idioma de Suger,
mais do que a sua estrutura física.
Símbolos
do reino de Deus, as catedrais manifestavam o sobrenatural aos
sentidos, qual splendor veritatis visual que reflecte –
mas não ilude – o invisível.
A
Primeira Parte do livro subordina-se à traça. Abordando
logo no Primeiro Capítulo A
forma gótica, tenta responder à questão:
o que é o gótico?
Curiosamente,
o autor faz depender pouco essa categorização do
arcobotante, abóbadas de cruzaria e da ogiva – como é
habitual –, ao invés, inclina-se para a visão
corbusiana [de Le Corbusier] do “jogo sábio e
magnífico dos volumes sob a luz”. A luz
é, pois, o princípio activo desta arquitectura diáfana.
A estrutura, tradicionalmente olhada pelo sentido funcional, emerge,
não é fábrica para tapar com frescos ou
mosaicos. Aspecto que exige maior precisão no talhe e nas
juntas, bem como uma técnica de execução
progressivamente dependente do desenho, da pré-visão.
Optando pelo adágio “a forma segue a função”,
e qualificando de energia activa o modelo estrutural, reage
contra aqueles que se centram no efeito visual e no grafismo da
traça. O plano linear ordenado pela geometria não
indica volume, antes proporções de plantas e alçados
cujo módulo são polígonos, contornando assim os
diferentes sistemas de medida Esta medida certa gerou unidades
de abobadamento, mas também módulos de resistência.
Simson dedica algumas páginas ao desenvolvimento e
apresentação de bibliografia preciosa atinente a este
tema, à relação entre geometria, plano e
construção, ou arte e ciência (relevamos apenas
Mignot e Frankl (Secret)).
Relaciona
mística e liturgicamente as igrejas medievais com a imagem do
céu, com a Jerusalém Celeste do Apocalipse, presidida
pelo Pantocrator, e alude à concorrência entre o tema
escatológico e o modo de evocá-lo.
No
Segundo Capítulo, A medida
e a luz, Simson alude a exemplos vários para abordar
as qualidades estéticas decorrentes do uso do número e
da boa modelação na filosofia estética de
Santo Agostinho (De musica e Del Orden), no sentido de
expor princípios de harmonia e perfeição,
indícios da verdadeira beleza – a metafísica –,
da qual não são senão indícios. A chave
da visão medieval do mundo encontrava-se na interpretação
que aquele filósofo dera do fragmento do livro da Sabedoria de
Salomão, que diz “ordenaste todas as coisas em medida,
número e peso”. Abordará ainda as duas ideologias
espirituais determinantes em França: a platónica,
teológica e cosmologicamente quase renascentista, cultivada em
Chartres, e a espiritual de Claraval.
Mas,
a efectiva significação para a arquitectura do
pensamento antigo e da obsessão pela matemática
pitagórica, pela determinação das quantidades e
das proporções geometricamente perfeitas de quadrados e
cubos (1:2:4:8 e 1:3:9:27), prezadas pela primeira, não fica
muito clara.
O
arquitecto aparece como científico e theoreticus da sua
arte, muito à custa da presença de Vitrúvio e do
quadrivium nos principais mosteiros.
Acaba,
igualmente, por não concretizar em que medida a pretensa
correspondência entre as consonâncias musicais e as
impressões visuais, estabelecidas por Santo Agostinho, se
representam na catedral e, inversamente, fazem dela modelo celestial.
Apresenta
o intento abelardiano de abarcar com a razão a terra e o céu,
de relacionar as proporções da Jerusalém Celeste
com o templo de Salomão (protótipo) e com a visão
de Ezequiel. Aspecto que alegadamente escandalizou São
Bernardo [de Claraval], o qual já havia condenado a
sumptuosidade cluniacense, mas viria a utilizar as regras métricas
agostinianas nas ascéticas basílicas de Cister.
As
activas linhas da escultura e da pintura monumentais de Reims e
Winchester viriam a ceder o lugar a uma forma mais repousada de
sentir os valores tectónicos. Aspecto que Bernardo corroborava
e impulsionava na sua Apologia (c.1130), praticando mais essa
vigilância do que a iconofobia exposta no artigo 82 dos
Estatutos de Cîteaux. Porém, advogando o desaparecimento
das artes figurativas, conduz ao ascetismo dado por formas
sóbrias e abstractas determinadas, regra geral, pelas razões
agostinianas: 1:2, entre h e l da nave (razão oitava e
modelação cúbica), pela medida certa
vitruviana 1:Ö2,
razão da quinta 2:3 e da quarta 3:4, determinantes nas igrejas
da ordem cisterciense.
A
experiência da beleza visual implicava a luz, o mais
nobre dos fenómenos naturais, com origem em Deus, termo médio
entre o corpóreo e o incorpóreo, princípio de
ordem e de valor para os neo-platónicos. Dionisio [Denis],
chamado o Pseudo-Aeropagita, apoia a sua corrente mística no
Evangelho de São João. A luz é o valor estético
da consonância última.
Todavia,
no texto, não é clara a relação causal
entre os preceitos geométricos vigentes nas escolas
catedralícias e nas abadias e o aparecimento da nova
gramática. Falta concretizar.
Simson
diz, de forma confusa, que antes de o serem nas catedrais da Île
de France, as ogivas, abóbadas de cruzaria e arcobotantes
haviam sido usadas pelos cistercienses na terceira Cluny. Também
na catedral de Durham havia já abóbadas de cruzaria,
mas sobre arcos de meio ponto, pelo que não é correcto
atribuir a Cister o partido das catedrais. Acontece, ao contrário,
que estas iriam influenciar a arquitectura daqueles monges no
estrangeiro. Falta a diferenciação clara de função
entre um facto urbano e um rural, como eram as abadias.
A
Segunda Parte, versando O Nascimento do Gótico,
inaugura-se com um Terceiro Capítulo
dedicado ao abade Suger de Saint-Denis. Simson, afirma
peremptoriamente que a arquitectura gótica não aparece
em continuidade com a românica, antes é a sua antítese,
reacção anti-cluniacense (o que não deixa de ser
contraditório com o acima exposto) e anti-românica, em
parte, como crê o autor, personificada por Bernardo de
Claraval. A Normandia e Borgonha foram os palcos das experiências
que viriam a ser desenvolvidas de modo mais coerente em Inglaterra.
Simson
recupera de Viollet-LeDuc e de Focillon a tese de que o gótico
francês nasce com o poder monárquico dos Capetos através
de três prelados amigos: Enrique de Sens, Godofredo de Chartres
e Suger de Saint -Denis. A abadia deste último, graças
à sua habilidade diplomática e política, ocupou
sempre uma posição de poder incomparável, sendo
até panteão real da época merovíngia.
Também o arcebispo de Reims e os bispos de Laon, Langres,
Châlons, Beauvais e Noyon eram duques e condes do reino
conformando uma extensa área geográfica de poder
eclesiástico feudal, tendo, por isso, opiniões
decisivas na hierarquia do reino. Aspecto que levaria a épocas
de grande tensão entre imperium e sacerdotium e
a diversas controvérsias com o papado.
Dão-se
avultadas, senão exaustivas, referências à
actividade de Suger e ao contexto religioso e socio-político
da sua “regência”, passando pelas cruzadas e
peregrinações, fazendo desta a parte mais divergente da
obra, não tanto por pretender demonstrar a proeminência
histórica da sua abadia mas porque, nalguns casos, são
excêntricas e a talhe de foice, não contribuindo
para o cabal esclarecimento da tese supra dita, de que o gótico
nasce em Saint-Denis como antítese à tradição.
No
Capítulo Quarto, A nova
igreja, fala-se de como o abade Suger adequa o templo e
respectiva significação religiosa à nova posição
eclesiástica, conferida pelo édito de 1142, que faz
reverter novas rendas para o mosteiro de Saint Denis. Descreve-se o
modo segundo o qual este conseguiu os fundos que suportaram as obras
de reparação da nave central e de reconstrução
da fachada ocidental e da cabeceira, bem assim especula-se sobre o
processo projectual de Suger (patrocinador e arquitecto), a
contratação dos artífices e a prospecção
de materiais. Menosprezando as escolas locais, Simson afirma que o
abade estabeleceu o arquétipo recolhendo informações
aos peregrinos: bizantinas sobre Santa Sofia e prototípicas do
Templo de Salomão.
As
obras de substituição do templo carolíngio de
duas ábsides, datado de 775, que entretanto ruíra,
começar-se-iam pela fachada com nartex, interrompida em 1140
para iniciar a dupla charola da cabeceira, coroada de capelas
(circuitus oratorium p.117), cujos muros em cristal impregnam
de uma “luz maravilhosa” a capela-mor. Preocupou-se com
alinhar partes novas com as velhas, e respectivas métricas,
mas em breve viria a iniciar o transepto e a substituir a nave, que
já não veria concluir. Perante as dúvidas e
ambiguidades que têm rodeado as relíquias de Dionisio,
Apóstolo de França, e o seu contributo para a
escolástica –cujo ressurgimento se deve, em grande
medida a Escoto Eriúgena, embora com a oposição
de Abelardo–, remanescem argumentos e intrigas dignos de um
pré-guião para o romance Baudolino de Eco. A
obra volta a cair em contradição, quando fala dos
elementos formais borgonheses e normandos tomados por Suger,
abordando o partido das torres de Caen e do tímpano de
Languedoc e Beaulieu, retornando às pouco evidentes afinidades
com Cister.
A
fachada, umbral para a eternidade, cujo programa iconográfico
das esculturas, versando o Juízo Final, é uma séria
alusão à porta caeli. É referida a
influência da cabeceira de Saint-Martin-des-Champs, casa
poderosa de Cluny, que atenua a suposta ruptura e originalidade de S.
Denis, pois demonstra a tradição, evidenciando relações
conceptuais mais do que formais.
O
significado teológio da lux nova e o anagógico
da luz física obcecavam Suger, como provam os vitrais
centrados no Apocalipse e nas Epístolas de Paulo, que sugerem
a exegese dionisiana.
Volta
a introduzir o tema da estrutura como acabado e a citar de modo algo
confuso, e até inoportuno, o sentido das proporções
harmónicas, da regra monástica e do simbolismo a
pretexto do Opúsculo sobre a consagração da
igreja de Saint-Denis. Afirmando, em jeito de síntese, que
as características que distinguem o primeiro gótico do
românico parecem ter obedecido – mais que precedido–
às exigências de simbolismo com que Suger entendia a
arquitectura, conjugando a traça com uma visão
transcendente (p.149). Quedou claro, com a presença de Luís
VII, a considerável importância política que teve
a consagração desta igreja, aproximando a imagem do rei
da de Cristo, as esferas hierárquicas monárquica e
teológica. Assinalando-se a acepção do templo
como “construção espiritual”.
No
Quinto Capítulo, dedicado à
catedral de Sens e à fachada ocidental de Chartres,
afirma-se a anterioridade dos planos desta catedral relativamente a
S. Denis. Sens integra, desde a sua génese, cruzaria de ogivas
e um esqueleto tectónico de nervuras, que definem um todo
coerente de abóbadas e suportes na nave, também
extensivo à abside – à imagem de
Saint-Georges-de-Boscherville. Porém, os suportes que
atravessam o seu inusitado alçado tripartido, enfatizados com
o alargamento das janelas, ainda obedecem ao cânone
proporcional borgonhês.
Abordam-se
as difíceis relações entre os diversos prelados
com Filipe VI, perpassadas pela mediação de São
Bernardo. Reconhecendo-se no episcopado de Godofredo o impulso
catedralício de Chartres, após o incêndio de
1134, com as campanhas da torre setentrional, da Porta Real e do
vasto programa escultórico, em relação com a
igreja de Suger. Simson, enfatiza o desempenho desta escultura,
descrevendo-a estilisticamente e referindo consequências da
integração monumental da figura. Refere o paralelo
formal entre a ilustração e o mosaico e estes ícones
de pedra, estabelecendo o paralelo entre esta fachada e as ideias
coevas, pelo lado do programa iconográfico e da observância
da reforma beneditina, designadamente no que diz respeito aos
monstros, pantocrator, juízo final e, sobretudo, a Maria.
Assinala a total integração e concordância da
escultura com a arquitectura, onde se funde a figura com a estrutura,
corroborando o primado da geometria de toda a fachada (1:2, quadrado,
triângulo equilátero e secção áurea).
Aqui
(p.211), há alguma incongruência no Post scriptum,
na contestação a Gall e na fundamentação
truculenta de Saint-Denis como primeira igreja gótica. Será
esse aspecto fundacional necessário, depois do próprio
Simson haver reconhecido óbvios precedentes?
Na
terceira e última parte da obra, A Culminação,
o Sexto Capítulo, intitulado
O palacio da Virgem, desvenda a repercussão em Le
Mans, datando as esculturas de Chartres como posteriores a 1155.
Discorre sobre as consequências do grande incêndio de
1194 para a cidade e em especial para a Catedral, com abundantes
referências bibliográficas.
A
relíquia principal de Chartres, a camisa (Sagrada Túnica)
que a Virgem Maria vestia aquando do nascimento de Cristo, era
venerada por todo o mundo latino, levando Carlos, o Calvo, a
pretender fazer daqui um centro de peregrinação, e a
primeira igreja da gaulesa. Sentimento e circunstância
largamente desenvolvidos, tanto quanto à importância do
culto mariano como ao seu cruzamento com o aspecto económico.
Simson nota a coincidência das grandes festividades com as
feiras e o desempenho do merchandising de culto no
desenvolvimento dos grémios locais, demonstrando quão
inseparáveis seriam ambos os mundos. Tanto o culto promovia o
comércio como as irmandades e corporações
patrocinavam e custeavam obras e melhoramentos na catedral, alvo e
consequência de logros científicos. Aborda o desempenho
económico de diversas relíquias, para as peregrinações,
que progressivamente vão evitando Bizâncio, no
financiamento destes palácios terrestres. As cidades
catedralícias obtinham proeminente desempenho político,
eram palco de alianças – menciona Chartres-Campagne –,
tal qual as conexões familiares faziam percorrer o mesmo
sangue pelas veias de bispos e reis.
Aquela
que para Roma era a grande diocese e albergara a curia
regis possuía renda avultada, e proporcionais quezílias,
aspecto que levaria o Capítulo a deliberar reformas em 1194,
cujo alcance nacional Simson especula (relações entre
esta Notre Dame, o bispo Fulberto, Filipe de França, Canuto,
rei de Inglaterra e Dinamarca e os duques de Normandia e Aquitânia),
reincidindo em relevar o desempenho político-económico
desta empresa.
No
derradeiro capítulo, A
catedral de Chartres, após haver demonstrado
precedentemente quanto representava este projecto, Simson, por entre
a reincidente e aborrecida repetição de dados em torno
da Rainha do Céu, retorna às descrições
do aspecto pré-gótico da igreja. Começando pela
adição do transepto, passando pela já bem
iluminada basílica de três naves e pela construção
do nartex e da fachada, fazendo alusões à liturgia,
estética e matemática coetâneas.
Propõe
que o encontro entre Jean de Salisbury (bispo de Chartres) e o
eloquente abade de Claraval focou-se na metafísica musical de
Platão e Santo Agostinho, e retorna à aplicabilidade
cósmica das leis da harmonia à arquitectura, divergindo
sobre as exegeses de alguns prelados para fundamentar a cronologia.
Refere a presença de aspectos heráldicos e simbólicos,
relacionando os modelos com a metafísica, a pretexto da obra
de Honnecourt, adjectivando e reevocando pela enésima vez as
harmonias, tecendo loas perpassadas de comparações
com as obras gregas, bizantinas, florentinas e, obviamente, citou de
Goethe a máxima de que o arquitecto tirou partido das
limitações impostas pela tradição, a
respeito de Robert de Luzarches, arquitecto de Amiens, no intuito de
caracterizar a época. Sendo esta, porventura, a parte mais
confusa da obra.
Compara
plantas e descreve a transformação do deambulatório
de Chartres segundo o modelo de Suger, com acrescento de mais quatro
capelas no interstício das três. Concluindo que a
abóbada arrancava de uma altura superior às de Sens,
Noyon, Paris e Laon e, decomposta pelas cruzarias que partiam das
janelas apontadas imediatamente sobre o triforium, seria muito mais
luminosa.
Alçado
tripartido, abóbada franca, suportada pelos primeiros
arcobotantes, e ábside poligonal, adaptada aos planos de vidro
(informados por Laon) eram características de Chartres. Os
tramos da nave eram já rectangulares, em vez dos quadrados das
suas predecessoras, muito embora cada dois definissem um quadrado.
Utilizam-se piliers cantonnés com colunelos alternados,
em relação com Canterbury - santuário ao qual
Jean de Salisbury estava ligado. Refere-se o conservadorismo do uso
da medida certa, obtendo todas as dimensões a partir da
unidade 16,44m, aparecendo no cruzeiro a razão pentagonal de
13,99m e a secção áurea. Proporções
que, como demonstra pormenorizadamente, também regulam os
alçados – embora neste particular alguns desenhos
pudessem ser mais elucidativos. A traça ad quadtrum é
ainda provada pela relação entre a altura e a largura
exactas da catedral, 32,90m.
A
pertinência estética e estrutural da proporção
diferencia os períodos gótico e românico. Para o
provar, descreve-se S. Miguel de Hildesheim, construída ad
quadtrum, mas que dá a impressão de que o
arquitecto utilizou a proporção mais como um mecanismo
operativo do que pelos seus efeitos sobre a estrutura ou aspecto. Nas
galerias do seu transepto aparece a proporção musical
1:2:3, embora sem unidade, pois não há continuidade dos
pilares e os andares são separados por largas porções
de parede, que lhe acentuam a horizontalidade.
A
austeridade arquitectónica de Chartres contrasta com a
coloração vítrea, estando os restantes elementos
decorativos em conformidade com a ordem. As composições
escultóricas da porta norte, harmonizam-se com as da fachada
principal, cinco décadas anteriores, tanto pelos motivos e
posturas comedidas como pela disposição,
relacionando-se com o Triunfo da Virgem da portada de Senlis, na qual
as figuras do Antigo testamento aparecem com mais vigor.
Notre
Dame de Chartres, como todas as igrejas medievais, é símbolo
do céu. Mas, Simson é renitente com a visão
ilusionista – trompe l’oeil – mais própria
do Barroco. Antes opta pela noção de abstracção,
devido ao nexo analógico com o protótipo celestial de
claridade e ordem, luz e número. Convocando para tal
testemunhos de Philibert De l’Orme (mal traduzido por Delorme,
na versão espanhola). Simson conclui de forma confusa,
comparando Chartres a Noyon, terminada na mesma época, mas à
qual não são encontrados os mesmos critérios de
unidade de traça – variedade inadmissível para os
clássicos, advoga.
Na
nota final à edição de 1961, Otto von
Simson reconhece terem sido entretanto publicados preciosos elementos
para a compreensão do templo de Chartres, cita-os e apresenta
alguns dados, designadamente de Grodecki sobre a autoria e cronologia
dos arcobotantes e abóbadas da cabeceira, das fachadas, do
transepto, e dos arcos principais da nave. Revê, igualmente,
aspectos particulares na adenda à segunda edição.
Estamos
ante uma obra de valor intelectual incontestável, que teria
ganho sem o ímpeto precipitado do autor em retirar conclusões
de argumentos e dados cuja relação crítica
parte, por vezes, de análises algo desconexas, isto é,
prescindindo desse lado conclusivo teria mais coerente, mais
cuidadosa, confrontação. Facto que, provavelmente, se
deve às sucessivas e valiosas adendas e actualizações
das suas numerosas reedições, bem assim à
voluntária integração de artigos monográficos
mais recentes.
Francisco
Tiago Antunes Paiva,
fpaiva@alpha4.ubi.pt
Setembro’02
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