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Recensão por: António Fidalgo
Primórdios Dez anos de jornalismo online
Um
exame do jornalismo online
António
Fidalgo
1- A
Internet alterou para sempre o jornalismo, sobretudo desde a invenção
da linguagem html por Tim Berners-Lee em 1990 e a sequente
introdução e difusão dos browsers gráficos
(Netscape e Internet Explorer) em meados dessa década.
Decorridos mais de dez anos é altura de revisitar o que
efectivamente mudou no jornalismo e as decorrentes consequências
em múltiplos sectores da sociedade, mas também de rever
as expectativas que não se cumpriram, de registar
desenvolvimentos inesperados e de anotar surpresas havidas.
O número
duplo da revista Comunicação e Sociedade de
2006, organizado por Manuel Pinto e Luís António
Santos, intitulado “Jornalismo e Internet” e dedicado à
análise de dez anos de jornalismo online em Portugal constitui
um excelente “estado da arte”. O número da revista
está dividido em duas secções, a primeira
intitulada “O jornalismo online – Perspectivas”
(págs 15-90) e a segunda “Dez anos de jornalismo online
em Portugal” (91-137), a que se acrescentam uma parte de
“Testemunhos” (141-166) e finalmente uma de “Leituras”
(191-204). A secção de Perspectivas é composta
por 5 artigos de autores estrangeiros, um americano, Mark Deuze, dois
espanhóis, Santiago Tejedor e Susana Herrera, e dois
brasileiros, Elisabeth Saad Corrêa e Sylvia Moretzsohn. A
secção sobre Dez anos de jornalismo online, que
publica as comunicações de um colóquio com o
mesmo nome organizado na Universidade do Minho em Julho de 2005,
compreende textos de Rosental Alves (Universidade do Texas em
Austin), Hélder Bastos (Universidade do Porto), João
Canavilhas (UBI), Xosé Lopez (Universidade de Santiago de
Compostela) e Ramon Salaverría (Universidade de Navarra). Os
testemunhos, em número de 5, incidem sobre as experiências
concretas de jornais portugueses na rede. Em suma, quem ler o volume
“Jornalismo e Internet” do princípio ao fim ficará
com uma noção da realidade, dos desafios e dos
problemas do jornalismo na era da comunicação online.
2- A
introdução de 7 páginas (5-11) dos organizadores
do volume é modelar. Fazem um mapeamento sistemático do
campo de análise, identificam áreas e respectivas
problemáticas e por fim elaboram uma síntese dos textos
incluídos na revista à luz do contexto que começaram
por delinear. É um texto claro e objectivo e mesmo não
havendo qualquer pretensiosismo nessa introdução, é
um dos melhores textos do número.
A
primeira área de análise apontada é a da mudança
tecnológica, a digitalização crescente de toda a
informação e a emergência da Internet. A
actividade jornalística não se distingue neste aspecto
de qualquer outra actividade que nas últimas décadas
sofreu alterações profundas. A tecnologia CAD (Computer
Assisted Design) revolucionou todo o desenho mecânico e a
comunicação por redes todo o sistema bancário.
Neste âmbito havia que adoptar a nova tecnologia ou pura e
simplesmente desaparecer do mercado. Há uma componente
determinística na variante tecnológica, que corre
obviamente o risco de ser sobreavaliada, como se nada mais
importasse. Muito pior do que tal sobreavaliação,
todavia, seria ignorar as inovações tecnológicas,
considerando-as como gadgets ou modas passageiras que
substantivamente nada modificariam.
As
modificações sociais económicas, sociais,
politicas, culturais, induzidas pelo digital e pela Internet
apresentam parâmetros comuns como a descentralização
de poder e a fluidez de processos e de atitudes. Tal tipo de
modificações estendem-se também inevitavelmente
ao jornalismo. As organizações estabelecem-se em redes,
muito fluidas, e não em corporações fixas. A
produção noticiosa nomeadamente assenta cada vez mais
numa rede policêntrica e policontextual, de free-lancers,
unidos tecnologicamente, mas pouco tendo em comum em termos sociais
ou culturais.
A
segunda área apontada é da emergência de novas
linguagens e de novos géneros e formatos. A ideia de que no
fundo, no fundo tudo continua na mesma, uma redacção
profissional produz notícias e os outros recebem-nas seja qual
o meio, imprensa, rádio ou televisão e, portanto,
também na Internet, é ignorar no fundo a especificidade
desta e, portanto, completamente errónea. O caso mais
emblemático dos novos formatos é o weblog. Um
indivíduo sozinho consegue montar, produzir, editar, publicar,
um órgão noticioso que pouco tem a ver com os
tradicionais. Isto não é de modo algum a continuação
do mesmo, mas um outro tipo de informação e jornalismo.
A
terceira área de análise é a que se chama
habitualmente a de jornalismo de cidadania ou jornalismo cívico
e que se centra no papel crescente dos cidadãos comuns na
tomada de palavra, na própria produção e emissão
de notícias, como o mostra e o demonstra o surgimento e a
popularidade dos blogs. Será que assistimos a uma diluição
da fronteira entre emissor e receptor? Os autores assumem essa
diluição e recorrem aos conceitos de “jornalismo
público” e o “jornalismo como conversação”
para melhor elucidar o desaparecimento da barreira entre os
responsáveis da publicação e a audiência.
3- Os
textos reunidos no volume tratam as três áreas
delineadas. O texto de Mark Deuze, “O jornalismo e os novos
meios de comunicação social” abre logo com a
questão técnica, “de contextualizar as
consequências da digitalização online”.
O jornalismo é hoje indissociável da Internet que se
tornou numa plataforma geral de disseminação de
notícias. Não se indaga se as notícias passam
pela Internet, pois isso é ponto assente, importa saber sim é
que consequências tem esse facto para o exercício e para
a percepção do jornalismo. De facto, como Deuze o
reconhece de forma óbvia, “o jornalismo tem sido sempre
dependente da tecnologia”. A imprensa escrita é fruto da
tecnologia tipográfica desenvolvida ao longo do século
XIX, a rádio e a televisão são filhas de
tecnologias do século XX e as tecnologias digitais e de redes
no dealbar do século XXI dão azo às plataformas
digitais multimédia (sem fios).
Hoje, o
jornalismo digital ou online não indica apenas um novo
tipo de jornalismo --o quarto tipo ao lado do escrito, do radiofónico
e do televisivo--, mas indica também um âmbito de
pesquisa que se estabelece e afirma na formação
académica e na investigação científica. É
a esse novo tipo de jornalismo que se têm vindo a aplicar
“modelos, teorias, paradigmas, e métodos existentes”
desenvolvidos a partir dos três tipos tradicionais. O que se
começou por fazer foi d facto analisar o novo jornalismo “em
termos do triângulo clássico dos estudos de comunicação
social, examinando como a produção, conteúdo e
consumo das mensagens mediáticas se desenvolve online”.
Sem
contestar a validade destas abordagens “antigas” ao novo
meio, Deuze, muito bem, faz notar que isso mostra que ainda se
analisa o papel da Internet na sociedade à luz do papel que os
média tradicionais desempenhavam e desempenham na sociedade e
que talvez isso seja a explicação porque tem sido
difícil estudar os fenómenos comunicativos mais sui
generis da Internet, os weblogues, as redes p2p ou os motores de
busca de notícias.
Deuze
reconhece a nova realidade e tenta dentro desta apurar a diversidade
já existente. Assim, reconhece quatro tipos de jornalismo
online distintos: 1) os sites de notícias mainstream,
2) os directórios, 3) sites de opinião e comentários
e 4) fóruns de discussão. A partir desta
verificação/classificação avança
para uma tipologia de jornalismo online ao longo de duas linhas que
se intersectam, uma horizontal, indicativa do domínio
conteúdo-conectividade, e uma vertical, indicativa do domínio
da comunicação participativa. Ou seja, na horizontal,
teremos num extremo a tónica no conteúdo editorial e no
outro a tónica na conectividade pública. Um site de
notícias mainstream é obviamente o tipo de
jornalismo online onde a aposta no conteúdo editorial é
maior. Por sua vez, os fóruns de discussão afastam-se
dessa opção a fim de darem a maior importância à
conectividade pública. Quanto à linha vertical, esta
desenvolve-se quanto ao grau de moderação na
participação, encontrando-se num extremo a comunicação
participativa moderada e no outro a comunicação
participativa não-moderada. De novo, temos os sites de
notícias mainstream como o tipo onde o grau de
moderação é maior e os fóruns de
discussão onde é menor, podendo mesmo não haver
qualquer moderação. Empregando os termos de “aberto”
e “fechado” para traduzir a não moderação
e a moderação, “um site pode ser considerado
aberto quando permite aos seus utilizadores expor comentários,
afirmações, imagens, sem moderação ou
filtragem. Na outra ponta do espectro, a comunicação
participativa, fechada pode ser definida como um site onde os
utilizadores podem participar, mas os seus actos são sujeitos
a uma rígida moderação e controlo editoriais.”
O
modelo proposto é interessante, tanto do ponto de vista
classificativo como operatório. Percebe-se que um site de
maior moderação e de uma maior aposta no conteúdo
editorial exija muito mais meios humanos para a realizar que um fórum
de debate completamente aberto, onde bastariam os meios técnicos
para assegurar o seu funcionamento em velocidade de cruzeiro. Não
se percebe, todavia, a afirmação de Deuze de que “a
chave para perceber este modelo reside no equilíbrio ou
integração conseguidos entre os actos de produção
(conteúdo) e os de consumo (conectividade)” (pag. 22).
Nesse equilíbrio reside o sucesso ou o insucesso de um site,
mas não seguramente a compreensão do modelo. Aliás,
mais do que equilíbrio trata-se de correspondência, ou
seja, o ideal será que uma maior conectividade e participação
traga consigo um maior conteúdo editorial.
No entanto, a ilação tirada de que, com a crescente
interactividade e com a correspondente passagem de meios fechados a
meios abertos, nos encontramos perante uma convergência
cultural pode ser demasiado optimista e apressada. A astúcia
das empresas em promover a participação dos indivíduos,
de os incluir nas suas estratégias de produção
não significa eo ipso “uma relação
mais próxima, emancipadora e participativa entre profissionais
e seus públicos”. A participação de
internautas em votações, comentários, promovida
por sítios de jornais ou rádios, pode ser encarada como
umas estratégia de sedução e viciação
de uma ilusória participação. Claro que existem
lógicas diferentes de encarar o fenómeno de produção
individual na internet, a de egocasters e de peers to
peers. Mas, provavelmente teremos de apontar mais para uma
diversidade do que para uma convergência; aliás, sendo
de considerar que essa diversidade será bem mais “humanista”
do que a estratégia de incluir os consumidores no processo de
produção a fim de “cultivar a sua fidelidade e
gerar conteúdos a baixo custo”.
Deuze
tem toda a razão quando na última parte do seu texto,
sobre as consequências do jornalismo online, aponta que são
os diferentes tipos de jornalismo online que “poderão
alterar a percepção de cada um sobre aquilo que é
o verdadeiro jornalismo”, porque o jornalismo não é
apenas uma questão tecnológica, mas também, e
nalguns aspectos sobretudo, cultural. Também é de
registar positivamente a crítica que faz a investigadores como
Pavlik que “permanecem firmemente enraizados nos princípios
da velha guarda, que equaciona o jornalismo como tendo uma primazia
relativamente autónoma em relação ao conteúdo
(editorial) e não à conectividade e numa cultura
jornalística que é relativamente fechada às
influências exteriores como as dos públicos,
profissionais de marketing, empresas não jornalísticas
e outros actores da esfera pública”. Não
diferentemente do que acontece em meios tradicionais, mas de uma
forma muito mais aguda o jornalismo online veio pôr em
evidência a vertente intersubjectiva do jornalismo, de uma
forma de diálogo entre as partes envolvidas nas notícias
que se veiculam. A interactividade, o critério tecnológico
decisivo na distinção entre meios abertos e meios
fechados, ganha sentido cultural e socialmente quando equacionado em
termos de intersubjectividade entre parceiros que se envolvem num
processo noticioso.
A
importância, a relevância e a exigência da vertente
social e cultural na introdução das tecnologias no dia
a dia, neste caso do ensino universitário do jornalismo
online, é patente no texto de Santiago Tejedor “Hacia un
currículo de ciberperiodismo. Estado, problemas e retos en la
enseñanza del periodismo online: El caso de España”.
Na parte dedicada aos problemas, obstáculos e carências,
quando são elencadas as dificuldades só duas delas não
são de ordem cultural ou social, a primeira que é uma
questão de facto, a “juventude” do ciberjornalismo
e a última que é técnica ou económica,
“falta de infra-estrutura técnica”. As outras seis
são de natureza social, política, cultural e
administrativa: barreiras burocráticas, modificações
dos planos de estudos, rejeição por parte dos docentes,
necessidade de formar docentes, dificuldade de uma temática
sobre o ciberjornalismo, falta de coordenação entre
docentes e disciplinas. Mas ainda mais revelador da dimensão
cultural das necessárias adaptações do ensino do
jornalismo às novas realidades tecnológicas é a
proposta dos “dez grandes câmbios formativos do
ciberperiodismo” em que todos são da ordem normativa: os
estudantes devem..., os estudantes têm de, nomeadamente, “tomar
consciência do alcance da rede do ponto de vista informativo”
(1º) e “mentalizar-se da importância de uma
actualização constante dos seus conhecimentos”.
Se a tese doutoral de Tejero, de que o seu texto é um sumário,
tem valor é justamente em alavancar mediante uma pesquisa
empírica a necessidade de uma estratégia intencional de
adopção das tecnologias e da adaptação da
formação às novas realidades. Não há
um automatismo na introdução da tecnologia, por mais
inevitáveis que sejam os ditames da inovação. É
preciso enquadrar social e culturalmente (incluindo as dimensões
administrativa e académica) essa introdução.
O tema
de Saad Corrêa, a identidade do jornalismo na era do online, é
certamente o mais pertinente, mas a autora em vez de o agarrar de
vez, aflora-o apenas a partir de diversas perspectivas, económicas,
tecnológicas, organizacionais. A sua análise começa,
e muito bem, pela situação de crise do jornalismo
contemporâneo, em particular a do seu país, o Brasil. A
crise é económica, é social, é
organizacional, é tecnológica, mas é sobretudo
uma crise de identidade. A autora socorre-se de uma citação
de Manuel Chaparro para ilustrar essa busca de identidade a partir da
crise: “o jornalismo tradicional perdeu funções,
em um mundo que se caracteriza pela capacidade institucional,
particular, de produzir e difundir aquilo a que simbolicamente
chamamos de notícia. Entretanto, no próprio cenário
das pressões a que está submetido, o jornalismo começa
a tomar consciência disso, o que pode ajudar a delimitar um
novo lugar próprio, nos contextos e processos democráticos
em que actua.”
Sylvia Moretzsohn apresenta um texto muito lúcido sobre “O
mito libertário do jornalismo cidadão”. A ideia
de que, graças à tecnologia – “munido de um
celular com câmera, operando um blog na internet” --,
qualquer pessoa se pode transformar num jornalista não passa
de um visão libertária e não aguenta um exame
mais atento de quem tenha ideias claras sobre a natureza da mediação
jornalística.
Desde
logo a contraposição entre um “nós”
de cidadãos empenhados em comunicar livremente e um “eles”
de jornalistas interessados em preservar privilégios de classe
e em manipular a informação ao serviços das
empresas que lhes pagam o salário é por demais
simplista e ela própria deturpadora de uma realidade bem mais
complexa. Por outro lado, o mito de um jornalismo cidadão,
estimulado pela tecnologia, é a recorrência mais recente
do mito mais antigo da tecnologia redentora. Nas décadas de 20
e 30 do século XX o rádio aparecia justamente com as
mesmas possibilidades de participação de todos. “Brecht
vislumbrava o potencial transformador do novo meio, no qual o público
não seria apenas receptor, mas também emissor: a
radiodifusão teria exactamente essa perspectiva relacional e
interactiva em que se baseia hoje a internet”.
Sylvia
Moretzsohn põe bem o dedo na ferida do chamado jornalismo
cidadão ao examinar a inversão do filtrar e publicar.
No bom jornalismo tradicional publica-se após uma filtragem à
luz de procedimentos profissionais e deontológicos, no
jornalismo participativo publicaria primeiro e filtraria depois,
segundo a regra de que todos diriam o que têm a dizer e a
selecção seria feita a posteriori. Que isto é
um disparate é explicitado por Moretzsohn: “Não
creio ser necessário dizer que, do ponto de vista das mais
elementares regras deontológicas do jornalismo, esse
procedimento seria no mínimo um disparate, pois significaria
abrir o campo a todo tipo de boatos e de informações
‘plantadas’, com as nefastas consequências que
todos conhecemos”. Esse tipo de participação de
todos, o “open source journalism”, trabalhando com o
método wiki, funciona eventualmente em nichos muito
específicos, em que as fontes também são
consumidores, mas obviamente que não funcionará no
domínio geral da informação social e política,
justamente onde o “jornalista é aquele profissional
autorizado a estar onde o público não pode estar, e por
isso tem direito ao acesso a fontes através das quais pode
apurar as informações necessárias à
sociedade”.
A
análise de um caso que se pretende pioneiro na nova forma
fazer jornalismo, e que declaradamente se demarca da “retrógada
cultura jornalística do século XX”, o jornal
coreano OhMyNews de Oh Yeon-ho, mostra bem que no fundo o que se
trata é de business, as usual. Trata-se sim de “tirar
proveito da agilidade proporcionada pelas novas tecnologias e
estimula o público a alimentar o projecto em troca de uma
remuneração simbólica e do status de ‘repórter’,
ainda que não profissional”. Moretzsohn mostra bem que
o jornalismo do cidadão comum que aqui se advoga –
“vamos queimar a cultura de uma mídia que alienou os
cidadãos comuns e tudo o que lhes é familiar”--,
é o mesmo tipo de jornalismo da penny-press e de Hearst
dos finais do século XIX, princípios do século
XX. Também nesse tempo, o que se pretendia era um jornalismo
em que era notícia não o que faziam os reis nos
palácios, mas qualquer coisa, desde que desse que falar.
Para
desfazer o mito, nada melhor que sublinhar o óbvio e que de
tão óbvio é surpreendente. O mito libertário
do jornalismo participativo ocorre num ambiente de fragmentação
crescente de movimentos sociais, de deslegitimização
das formas tradicionais de empenhamento social e político,
onde tudo aparece igualmente válido. “É também
neste quadro que floresce a suposta ‘fluidez’
pós-moderna, de contestação ao saber
institucionalizado, à ciência e à própria
razão, de tal forma que todos os discursos passam a ter a
mesma validade, igualando-se justamente pelo facto de serem
‘diferentes’, mas jamais superiores ou inferiores em
relação aos demais. O jornalismo não escaparia
desse enfoque: é evidente que, se tudo se equivale, não
haveria por que conferir a essa actividade uma autoridade especial: é
apenas um discurso, mais um entre tantos. Todos somos jornalistas,
tudo é jornalismo, como todos somos artistas e tudo é
arte, tudo é ciência, tudo é absolutamente
importante e espantosamente banal”.
O óbvio
surpreendente é que o papel de mediação cumprido
pelos jornalistas, papel exercido dentro de uma profissão, com
um ethos específico, não desaparece com a
participação dos cidadãos na feitura nas
notícias. O jornalismo online não dispensa esse
empenho profissional, a tempo inteiro e exercido como missão.
Mesmo que o online seja uma revolução na forma de fazer
jornalismo.
O texto
de Rosental Calmon Alves, “Jornalismo digital. Dez anos de web
... e a revolução continua” defende que com a
internet não estamos perante uma evolução, mas
sim uma revolução no jornalismo. “A Internet não
é apenas um novo meio, como foram o rádio e a TV, cada
um acrescentando um canal sensorial à comunicação
existente. (...) A web representa uma mudança de paradigma
comunicacional muito mais ampla que a adição de um
sentido. Ela oferece um alcance global, rompendo barreiras de tempo e
espaço, como não tínhamos visto antes. (...)
Estamos no começo da nova revolução do
conhecimento e estamos vendo o impacto inicial sobre o jornalismo,
assim como vemos suas consequências politicas, sociais e
económicas mais amplas.”
A
diferença de evolução e revolução
está na mudança de paradigma. Não está em
jogo apenas uma midiamorfose, mas também um midiacídio;
o novo nasce das cinzas do velho. O controle da informação
passa do emissor para o receptor, ficando aberto o caminho para uma
comunicação eu-cêntrica. “A comunicação
se torna eu-cêntrica porque tenho acesso somente ao que eu
quero, na hora em que eu quero, no formato em que eu quero e onde eu
quero”. Daí que o jornalismo-produto se converta num
jornalismo-serviço, num fluxo contínuo de informação.
Por outro lado, esta revolução incide também na
desintermediação, com consequências graves para o
modelo de negócio baseado na publicidade paga, em particular
nos anúncios classificados. As verbas de publicidade estão
assim a ser desviadas para sítios de busca que não têm
quaisquer operações jornalísticas. Pelo que
surge a questão: sem a publicidade como financiar uma redacção
com mais de mil jornalistas, como é o caso do New York
Times?
A
capacidade de targeting da informação online,
isto é, da possibilidade de, graças à
possibilidade de traçar o perfil de um visitante, possível
receptor, enviar informação à medida deste
visitante e dos seus interesses, altera de um forma radical a forma
de aglomerar as notícias e de as difundir. Acresce a isto, o
fenómeno dos blogs que instaura um nova esfera informativa.De
tal modo que os blogs se tornaram nos cães de guarda
(watchdog) dos meios de comunicação
tradicionais, os designados cães de guarda da democracia. De
toda essa imensa panóplia de informação, da
cacafonia em que se está a tornar a Internet, há lugar
para um jornalismo sério, “o jornalismo independente e
profissional indispensável à democracia. Este, no
entanto, só será viável se souber adaptar-se aos
novos tempos da digitalização e do online e aos
respectivos paradigmas.
O texto
de Hélder Bastos “Ciberjornalismo: dos primórdios
ao impasse” retrata sobretudo e evolução do
jornalismo em Portugal no confronto com as novas tecnologias
digitais, num suceder de expectativas, frustrações e
desafios. A aposta deve ser a formação dos novos
jornalistas a nível universitário, aprendendo a dominar
as novas tecnologias, mas sem descurar de algum modo a formação
clássica de um formação jornalística: “a
profissão terá muito a perder se a universidade se
limitar a formar ciberjornalistas tecnicamente perfeitos, mas
profissional, ética e deontologicamente ineptos.” Seria
caso aqui para dizer que a universidade teria formatado informáticos
para as redacções, mas não jornalistas.
O texto
de João Canavilhas, “Do jornalismo online ao
webjornalismo: formação para a mudança”,
centrando-se também como o de Bastos na formação
superior dos estudantes de jornalismo, vai mais longe ao identificar
ponto a ponto as competências tecnológicas necessárias
a um cabal desempenho profissional. No âmbito do multimédia,
era de haver aquisição de competências em
integrar infografias, vídeos e sons, fazer edição
em html e trabalhar com animação vectorial. O que se
exige é, ao fim e ao cabo, o domínio das ferramentas de
um autor multimédia. Alem disso, torna-se também
indispensável que o novo jornalista se imbua do novo espírito
informativo, hipertextual e interactivo. Canavilhas sugere que a
tradicional técnica da “pirâmide invertida”
ceda o lugar a “uma arquitectura noticiosa mais aberta, com
blocos de informação organizados em diferentes modelos,
sejam eles lineares ou complexos”. O que acaba por advogar é
uma nova linguagem do jornalismo, uma linguagem específica do
webjornalismo.
Também
no âmbito da formação universitária se
centra o texto de Xosé López “Algunhas propostas
para vencer os desafios na formación dos ciberxornalistas”.
A tese é de que uma sociedade em profunda mudança e que
com o jornalismo aconteceu o mesmo que com outras profissões
com uma formação superior: “as transformacións
sociolóxicas e tecnolóxicas do último cuarto de
século crearon un marco favorable para converter numerosos
ofícios en profesións especializadas, a maioria das
cales encontraron un sitio na Universidade.” A formação
superior na área do jornalismo responde às exigências
da sociedade e a sociedade em rede ou do conhecimento exige uma
formação especializada de ciberjornalismo.
O texto
de Ramón Salaverría, “Construyendo un nuevo
periodismo. Diez años de logros y retos en la prensa digital”,
elenca 4 importantes desafios ou apostas do novo jornalismo, a saber,
1) desenvolver novas linguagens, 2) consolidar o jornalismo
multiplataforma, 3) assegurar os modelos de negócio na rede,
4) formar para o novo jornalismo. Embora o jornalismo online
continue a replicar as linguagens dos meios tradicionais, sobretudo
da imprensa, não restam dúvidas que a tendência é
para estabelecer novos tipos de linguagem, em particular incorporando
as características da comunicação online.
“Esas posibilidades linguísticas del ciberespacio se
resumen en três rasgos: hipertextualidad, multimedialidad e
interactividad. El reto linguístico de los cibermedios
consiste em desarrollar unos lenguajes que aprovechen esas tres
cualidades.”
Quanto à
vertende de plataforma da internet, Salaverría mostra como o
quarto meio vai comendo o campo dos três meios, a imprensa, a
rádio e a televisão. Bem elucidativas são as
três figuras, a primeira retratando 1990, em que aparecem três
círculos separados, representando cada um deles um meio
tradicional. A segunda figura retrata a situação em
2000, e aí os três círculos intersectam-se, sendo
essa intersecção a internet. A terceira figura, que
retrata um ano a vir, 20?0, o espaço de intersecção
come quase por completo o espaço de cada um dos círculos.
Aqui, todavia, levanta-se a questão bem interessante de saber
se a rádio e a televisão sobre IP devem ser
considerados rádio, televisão ou internet. É
provável que a TV sobre IP seja tanto internet como televisão
no sentido tradicional.
Quanto
ao modelo de negócio a adoptar pelo jornalismo online
Salaverría salienta a incógnita que prevalece. “Una
de las mayores incógnitas que pesa sobre los cibermedios sigue
siendo la de su rentabilidad. Diez años después de su
aparición, la mayoria de los cibermedios continua en números
rojos, algo que, como es evidente, lastra su desarrollo y retrae la
inversión”. Passados dois anos, porém, algo se
pode adiantar. Parece que o modelo de negocio copiará o modelo
Google, o de se basear nas receitas da publicidade associada aos
conteúdos e serviços. A gratuitidade prevalecente e
crescente nos jornais online terá de encontrar o seu
sustento numa publicidade direccionada pelos conteúdos e pelos
visitantes, ou seja, numa publicidade personalizada e à medida
de quem busca e usa a informação.
No desafio formativo, as competências tecnológicas nunca
poderão descurar a formação clássica. O
essencial será saber combinar as exigências tradicionais
de investigar, recolher, e produzir informação com as
competências tecnológicas específicas à
internet e às respectivas características do
hipertexto, do multimédia e da interactividade.
4- O
exame dos dez primeiros anos do jornalismo online mostra que,
independentemente da ênfase posta na ruptura ou na continuidade
do novo tipo de jornalismo face ao tradicional, estamos perante uma
viragem significativa na recolha, na produção, na
edição, na difusão e na recepção
da informação jornalística. Há uma
identidade do velho e do novo jornalismo e esse está na
mediação própria e específica dos
jornalistas e, em particular, no ethos que informa essa
profissão. Investigar as notícias, informar com rigor e
isenção é o cerne do jornalismo, seja ele
impresso, televisivo ou online. Obviamente surgem novas e radicais
alterações à informação
jornalística e a essas alterações há que
reagir com a criação de novas linguagens e com uma
formação profissional e académica adequada.
O volume
temático de Comunicação e Sociedade sobre
Jornalismo e Internet ficará com um bom marco do que foram os
primórdios do jornalismo online.
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