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Recensão por: Paulo Serra
A interiorização da informação - e, consequentemente, o sentido que o sujeito atribui à mesma - depende, em grande medida, da forma como se encontra ordenada ou organizada essa mesma informação; ter consciência
disso foi mais um dos grandes méritos dos organizadores da Encyclopédie. Contemporaneamente, a "teoria matemática da comunicação" de Shannon e Weaver, ao estabelecer uma relação profunda (e inversa) entre
ordem e informação - de tal modo que quanto menor a ordem (logo, a probabilidade, a certeza) maior a informação, e vice-versa -, reconhece precisamente que a ordem da informação , a forma como se encontra
organizada a informação, ao tornar parcialmente redundante a informação que ela ordena, produz necessariamente efeitos semânticos.
Se, como problema, o problema da organização da informação não é tão velho como a informação (escrita), ele data pelo menos do tempo (os fins da Idade Média) em que, graças à proliferação (sobretudo impressa) do escrito, o excesso de informação começa a reverter a escassez de informação escrita que, durante séculos, fora apanágio da cultura do Ocidente. Tal problema acarretou efeitos fundamentais quer a nível do bem de informação individual (o documento escrito, o livro) quer a nível do conjunto dos bens de informação (a biblioteca, o arquivo). Assim, no que se refere ao primeiro, invenções como a separação entre as palavras, a pontuação, a divisão em secções, capítulos e partes, a numeração das páginas, os índices, as notas, as bibliografias, e, no que se refere ao segundo, operações como a classificação e a catalogação (por autores, títulos, assuntos, data de publicação, etc.) denotam precisamente essa preocupação muito antiga de dar ordem à informação. Uma preocupação que se prolonga com os (nos) meios de informação mais recentes como o jornal moderno (a divisão em secções, a sua distribuição pelas diferentes páginas, a distinção entre notícias e artigos de opinião, etc.), a rádio e a televisão (a grelha dos diversos géneros de programas, em função das diferentes partes do dia, o tema ou a incidência de cada um desses programas, os eventuais autores e intervenientes, etc.); e, em qualquer destes meios também, como no livro, a classificação e a catalogação do conjunto dos bens de informação em arquivos escritos, sonoros ou audiovisuais, em função de critérios determinados e mais ou menos estabelecidos (as datas de publicação ou emissão, as secções, os assuntos, as personagens, etc.). Assim, ainda que meios como o jornal moderno, o cinema, a rádio, a televisão tenham introduzido algumas perturbações, podemos dizer que eles não puseram globalmente em questão a ordem dos livros (Chartier) que se foi construindo e afirmando ao longo dos séculos. Ora, essa ordem encontra-se hoje globalmente perturbada por aquilo a que, mimando a expressão de Chartier, chamaremos a ordem dos computadores . Em que é que tal ordem difere da anterior? Que novidades introduz? Como se articula com a própria ordem dos livros ?
Responder a estas questões exige, seguramente, tomar a presente obra como ponto de partida; o que não pressupõe, obviamente, que toda a informação esteja sujeita ao mesmo tipo de ordem que caracteriza o
escrito, incitando antes a pensar (como, aliás, o próprio Chartier procura fazer) a especificidade das formas de organização próprias dos novos tipos de informação e dos efeitos de sentido que tais formas
tendem a determinar.
A ordem dos livros uma ordem que se terá desenvolvido sobretudo entre os fins da Idade Média e o século XVIII e que dá o título a um dos livros do historiador francês (agora integrado como parte da presente
obra) é entendida por Chartier num triplo sentido: num primeiro sentido, ela designa as operações múltiplas que tornam possível o pôr em ordem do mundo do escrito, tornado excessivo ainda na era do manuscrito
mas, sobretudo, com o advento da imprensa ( operações como a inventariação dos títulos, a classificação das obras, a invenção do autor como princípio de designação, a organização das bibliotecas, etc.);
num segundo sentido, ela designa a ordem que o texto entende impor ao leitor, seja ela a ordem (sequencial) da leitura, implicada pela forma do livro, a da compreensão, ou ainda a pretendida pela autoridade
que comandou, autorizou ou difundiu a obra (o que não pressupõe, obviamente, um leitor passivo perante tais ordenações ); num terceiro e último sentido, ela designa o facto de que os livros (os textos)
- os seus processos de produção, distribuição e leitura - comandam a possível apropriação dos discursos , configurando de um certo modo a ordem do discurso (Foucault) de cada época. Uma das consequências
fundamentais desta tematização de Chartier é que o sentido da informação tem de ser concebido de uma forma muito mais complexa do que a visada pelas teorias que têm visto, sucessivamente, a tarefa hermenêutica
centrada na intentio auctoris, na intentio opere ou na intentio lectoris, já que tal sentido envolve, para além do trabalho de autor e receptor, a actividade de uma série de outros autores e receptores
(os impressores, os editores, os livreiros, os distribuidores, os bibliotecários, os comentadores, etc.) sobre os textos, bem como a mobilização de um conjunto de dispositivos sociais (materiais, técnicos,
simbólicos) ligados a essa mesma actividade. Outra das consequências é a de que, pelo menos a partir de um certo momento e de uma certa complexidade, a produção da informação bem como o sentido que atribuímos
a essa informação, é indissociável da produção de todo um conjunto de dispositivos de meta-informação , compreendendo catálogos, listas, inventários, sistemas de classificação, etc.. Paradoxalmente, reside
aqui uma das razões pelas quais, a partir de certa altura, o excesso de informação se torna, por assim dizer, cada vez mais excessivo e insuportável pela mera ordem dos livros , obrigando à invenção e implementação
de sistemas de meta-informação informatizados (bases de dados).
Se quisermos falar em "revoluções da informação" - talvez o termo "reconfigurações" traduzisse melhor a forma como Chartier concebe as mudanças a nível da informação e dos media -, então encontramo-nos
presentemente imersos naquela que conduz do códice ao écran (ao hipertexto); uma "revolução" que, na opinião de Chartier, só é comparável àquela que, há muitos séculos atrás, conduziu do rolo ao códice.
A presente "revolução" acarreta profundas consequências a nível da produção do escrito, da sua organização e da sua apropriação (leitura) que, como dissemos acima, "perturbam" globalmente a "ordem dos livros"
- e algumas das quais Chartier procura precisamente pensar.
logo, ao supender tese geral da atitude natural, toca de perto o concreto e ascende a um mundo que que se lhe oferece, ainda assim, na sua estranheza. Lévinas comenta: “não há solipsismo mas possibilidade de solipsismo”. Ou seja não se deve pensar a intencionalidade, ou seja o próprio fenómeno do sentido, como o In-der-Welt-sein de Heidegger. O homem conserva o poder de se olhar face ao mundo e de permanecer livre. Lévinas não deixa de extrair uma consequência para a própria forma de estar do homem no mundo, que transcende a pura reflexão epistemológica para se aproximar da razão prática, numa antevisão das preocupações éticas e meta-políticas que se afirmam com grande clareza nos últimos textos da antologia. A afirmação da razão é relacionada com a afirmação da liberdade. Se a crise das ciências é a crise da humanidade em nós, o “eu sou” não é verdadadeiramente humano não ser que se descubra como razão, ou seja como uma liberdade. (Cfr. Lévinas,p. 45)Com base nesta análise, Lévinas sustenta que o primado da consciência relaciona-se na filosofia husserliana à inspiração liberal que perpassa no seu trabalho.
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